* Por José Almeida Júnior *

O youtuber Felipe Neto criou uma polêmica no Twitter afirmando que “forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis NÃO SÃO PARA ADOLESCENTES!”. Não pretendo discutir aqui o problema da formação de leitores no Brasil, mas apenas tecer algumas breves considerações a respeito do uso da obra de Machado de Assis nas escolas.

A campanha para tornar Machado de Assis o grande escritor nacional começou no Estado Novo de Getúlio Vargas. Sob o comando de Gustavo Capanema, o Ministério da Educação promoveu edições da obra completa, distribuiu livros em bibliotecas, afixou a foto do escritor nas escolas públicas e produziu um filme com o seu perfil biográfico.

Nas décadas seguintes, as escolas continuaram a trabalhar Machado de Assis, colocando a obra machadiana no imaginário popular. Dificilmente um aluno não teve acesso à dúvida (repisada, injusta e machista) da traição de Capitu, ou do livro escrito pelo defunto autor Brás Cubas. Na pesquisa Retratos da Leitura de 2020, Machado de Assis foi citado como o autor mais conhecido do público leitor.

Obras como Helena, Dom Casmurro e O Alienista são trabalhadas há anos em sala de aula, com algum sucesso. Os livros de Machado de Assis, como todo clássico, têm várias camadas de compreensão. Talvez o aluno de ensino médio não consiga apreender as nuances mais complexas da obra, mas certamente captará o enredo e alguma coisa da ironia do escritor. Além de tudo, são livros de fácil acesso, em domínio público, disponíveis na internet e em muitas bibliotecas.

A biografia do escritor também ganhou uma nova significação na representação racial, que pode ser trabalhada em sala de aula. Nos anos 1930, o Estado Novo ressaltou a origem mestiça do escritor de maneira positiva, em consonância com os trabalhos então em voga de Gilberto Freyre. No ano de 2019, a Faculdade Zumbi dos Palmares lançou a campanha “Machado de Assis Real”, com uma nova imagem do escritor. Retratá-lo como negro foi uma tentativa de corrigir uma injustiça histórica e fixar no imaginário popular a sua verdadeira identidade. O professor Eduardo de Assis Duarte, por sua vez, no livro Machado de Assis: Afrodescendente desmistificou a afirmação de que Machado de Assis era alheio às questões raciais de seu tempo.

Não acho que a escola deva sonegar Machado de Assis dos estudantes brasileiros. A sua vida e a sua obra são fontes preciosas de estudo em sala de aula. Estudar Machado de Assis é entender o Brasil. Não sei se existe discussão similar para tirar Shakespeare dos alunos britânicos, Cervantes dos espanhóis ou Balzac dos franceses.

Os professores, sobretudo das escolas públicas, são subestimados. Recentemente, nos eventos de que participei pelo Prêmio Sesc de Literatura, conheci professores e bibliotecários da rede pública muito dedicados ao seu ofício. O ensino sempre pode se aperfeiçoar, mas devemos confiar mais nos nossos professores. Certamente substituir Machado de Assis por Harry Potter, como chegou a propor Felipe Neto, não é a solução.

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José Almeida Júnior é escritor e defensor público. É autor dos romances O Homem que Odiava Machado de Assis (Faro) e Última Hora (Record), romance vencedor do Prêmio Sesc de Literatura e finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura.

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