*Por Luis Felippe Polonio*

Leia crônica sobre o universo dos cafés especiais

Ao finalizarmos um curso de barista, repetimos incansavelmente um mantra (pelo menos até nos depararmos com a realidade): precisamos ajudar o cafeicultor! Ora, veja… Estamos em dois mil e vinte e quatro, e há quase três séculos o nosso Brasil é nada menos que o maior produtor de café do mundo. Um terço do café comercializado no globo é produzido aqui, sim, aqui mesmo, e boa parte bem pertinho de nós, em Minas Gerais. E, afinal, protegeremos de quem esses cafeicultores e como exatamente faremos isso?

Primeiramente é preciso dizer que o profissional barista, ou seja, alguém que usa obrigatoriamente uma touca mostarda cobrindo apenas o cocuruto (uso que nunca entendi, sempre achei que a serventia da touca era aquecer as orelhas) se especializa no preparo e na seleção de grãos de café de alta qualidade, identifica os melhores métodos de preparo e as receitas mais adequadas para cada ocasião. Esse mesmo barista geralmente é um jovem de classe média, no mínimo, que provavelmente leu ou ouviu em algum lugar que o mercado dos cafés de especialidade tem crescimento alto e indica boa aposta para o futuro.

 A oferta de cursos não chega a ser tão grande, no entanto, com as redes sociais e os tais influenciadores gastronômicos, rapidamente se acha um curso sendo vendido pelo instagram por alguém que também fez outro curso e se auto habilitou para dar cursos: são os ainda pouco percebidos curso do curso. Trata-se de um aspirante a profissional que se formou em um curso, não achou lugar no mercado e optou por dar cursos, resolvendo assim o seu problema e o empurrando para frente, para outros aspirantes que se formarão e provavelmente darão continuidade nesse looping infinito.

Nessa última safra o Brasil produziu mais de cinquenta milhões de sacas de café, sendo aproximadamente trinta por cento para consumo interno e o restante para exportação. Atualmente, o nosso país tem cerca de dois milhões de hectares de terras dedicadas a cafeicultura, sendo o Sul de Minas, Matas de Minas, Cerrado Mineiro, Alta Mogiana, Espirito Santo e Bahia as principais regiões cafeeiras. Pesquisas no setor desenvolvem sementes mais adaptadas e produtivas às diferentes regiões e condições de cada produtor. Tecnologias de ponta, como drones e outros maquinários como colheitadeiras, secadores, auxiliam na alta produtividade desse fruto tão importante. Cooperativas e grandes estruturas de benefício e rebenefício dos grãos garantem a produtividade que é referência no mundo todo.

Nos últimos vinte anos surgiram as cafeterias especializadas (devemos nos lembrar da rede Starbucks, que foi quem começou a elevar os padrões no serviço de café), nano torrefações, a presença do mestre de torra que além de achar receitas exclusivas para cada grão, geralmente também é um curador de cafés, e visita produtores a fim de descobrir os melhores grãos para apresentar em seu cardápio; e os baristas, que desempenham função importantíssima (apesar da touca) que é preparar com exímio cuidado a bebida, explicar ao cliente o que está sendo servido e talvez até quais notas sensoriais podem ser percebidas naquela xícara.

Elevamos o nível de consumo do café, agora apreciado com muito mais qualidade e pureza (sim, há nos cafés de baixa qualidade quaisquer outras coisas que não sejam café), construímos relações mais justas e diretas com pequenos produtores e acessamos com maior facilidade o consumidor através das redes sociais e lojas virtuais. Para esse novo consumidor é importante que o café seja doce e saboroso, saudável, mas também contribua de alguma forma para um mundo melhor com mais transparência. Apesar disso tudo, o mercado consumidor de cafés dessa categoria ainda representa uma porcentagem mínima: 0,08 segundo a ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café). Ou seja, 99,9% dos bebedores de café no Brasil não consomem café especial.

Sendo assim, somos o maior produtor e o segundo maior consumidor de café no mundo. Temos um mercado promissor pela frente com cafés de alta qualidade e um exército de jovens usando touca mostarda e entoando o mantra: Precisamos ajudar os produtores de café! 

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Luis Felippe Polonio é torrefador de cafés e criador da LF Polonio – Cafés de Especialidade

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