Resenha: A felicidade, modo de usar

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Por Ricardo Biazotto *

Todos conhecem os conflitos e as dificuldades que marcaram a história de diversos países africanos. Apontar os fatos históricos que levaram a essa realidade que conhecemos tão bem, mesmo do outro lado do Atlântico, se tornaria repetitivo, ainda mais sabendo que isso não seria suficiente para causar transformações. Mas o que dá para dizer, sem medo de bater na mesma tecla, é que independente de suas dificuldades, a África tem como ponto forte a sua Cultura e ela é sempre capaz de nos surpreender.

Assim como tantos países, o Zimbábue enfrentou um longo período sob domínio britânico e passou inclusive por uma guerra civil, que durou mais de dez anos até a independência ser reconhecida, em abril de 1980. A independência criou a esperança de um lugar melhor para se viver, onde a miséria, a crueldade, a falta de uma boa educação e até as doenças não estariam mais presentes. Apesar da esperança, as dificuldades continuaram e são enfrentadas pelas personagens de Precisamos de novos nomes.

A autora desse premiado romance de formação, publicado em 2013, nasceu logo após a independência do Zimbábue. NoViolet Bulawayo, que atualmente mora nos Estados Unidos, não vivenciou as situações de horror que mancharam parte da história de seu país, tampouco o domínio da minoria branca. Apesar disso, muitas coisas continuaram da mesma forma, o que é explorado pela voz da simpática Darling, uma garota muito inteligente que em nenhum momento deixa de lado a esperança de uma vida melhor.

Ao lado de seus amigos, Darling vive em um pequeno aglomerado de barracos em uma região pobre de Harare, capital do Zimbábue. Para encontrar um pouco de felicidade, esse grupo de crianças visita um bairro onde podem roubar goiabas e encontrar um lugar oposto ao que estão acostumadas. Nesse bairro vivem as famílias ricas e brancas da capital, por isso é possível andar por ruas de verdade e observar casas de verdade.

A sensação de estar em um lugar mais rico cria a esperança, ao menos para Darling, de morar nos Estados Unidos. Ter a oportunidade de viver em um país rico, e longe de todas as dificuldades que enfrentou até então, é ter a certeza de que jamais faltará comida em sua mesa. Apenas isso basta para ela tolerar a nova vida que pode ter ao se afastar dos amigos e de todos os seus familiares.

Precisamos de novos nomes pode não ser um livro para todos os públicos. Motivos não faltam, mas também é possível afirmar que todos que conhecerem Darling têm grandes chances de ficarem tocados por sua história e pela maneira como ela se aproxima de seu leitor. Até mesmo os menos sensíveis sentiriam dificuldades para enfrentar, de cabeça erguida, o que é retratado por ela através de sua linguagem crua e direta. Se ela precisa ser forte, o leitor precisa ser da mesma forma.

O romance de estreia de NoViolet Bulawayo não segue uma ordem cronológica e isso pode causar certa confusão, porém também é uma forma de mostrar como a protagonista está em constante aprendizado. Se limitar a apresentar os fatos, sem ligá-los desde o primeiro momento, pode ser visto como uma grande ousadia. Sem um cuidado maior, muitos autores perderiam o rumo de seus enredos, mas o talento de NoViolet impede que isso aconteça.

A verdade é que a autora apresenta uma escrita bem particular e o fato de evitar seguir uma ordem cronológica significa ter o poder de mudar o cenário apenas iniciando um novo capítulo. Além disso, as descrições e os diálogos se completam em uma mesma frase, sem qualquer tipo de indicação, o que não necessariamente deixa o texto confuso. A impressão inicial é de que a leitura pode se tornar monótona a qualquer momento, mas ao intercalar pensamentos e fatos do cotidiano, a autora está envolvendo o seu leitor e levando-o a todos os cenários.

Tais cenários são reais e, mesmo apresentados em uma obra de ficção, jamais serão esquecidos. Eles são cruéis, em muitas das vezes, e contribuem para a sensação de inutilidade simplesmente por saber que o que está sendo retratado vai além das páginas de um livro. Mas, ao mesmo tempo em que ferem o leitor, eles também contribuem para o já citado envolvimento, por isso não é de se estranhar que as cenas na África são mais contagiantes do que na América, onde as dificuldades persistem, ainda que sem a brutalidade de um cenário radical.

Tudo depende do momento em que a leitura é realizada. Em termos técnicos, Precisamos de novos nomes tem capítulos que podem ser considerados independentes, mas mostram a constante evolução da personagem principal, que passa a lidar com as dores de sua vida e aprender com elas. Dessa forma que ela não deixa de ser feliz e não se abala ao iniciar o processo de adaptação em uma nova cultura.

Alguns livros causam surpresa. É o caso de Precisamos de novos nomes. Ser reconhecido em importantes prêmios ainda é pouco. NoViolet Bulawayo é jovem e já pode ser vista como uma grande representante da literatura de seu continente. Poucos nomes seriam capazes de unir fome, política, religião, aids, novas culturas, questões raciais e culturais com tamanha grandeza.

Precisamos de novos nomes, de NoViolet Bulawayo (Biblioteca Azul, 256 págs.)

Avaliação: ótimo

 PRECISAMOS_DE_NOVOS_NOMES_capa.pdf

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Ricardo Biazotto é blogueiro literário do Over Shock (www.overshockblog.com.br). Já participou de diversas antologias, entre elas, Dias Contados – Vol. 2, Moedas para o Barqueiro – Vol. 3, Amores (Im)possíveis, Amor nas Entrelinhas e Ponto Reverso, todas da Andross Editora