
No próximo dia 2 de setembro, por ocasião da Feira do Livro de Lisboa 2022, a Editora Gato Bravo fundada por Paula Cajaty em Lisboa, Portugal, lançará o livro de poesias Baleias, bromélias e outras naturezas, de Kátia Bandeira de Mello Gerlach, quarto volume da coleção “Claro Enigma” da editora em homenagem ao poeta maior Carlos Drummond de Andrade. A sessão de autógrafos se dará às 18 horas no Pavilhão Gato Bravo-Glaciar (B96).
Neste livro nos deparamos com a extraordinária capacidade de evocar lugares ou nomes célebres como Franz Kafka, Baudelaire e John Cage, que abrem os caminhos para o argumento fulcral da poeta Kátia Bandeira de Mello. Os pensamentos em versos livres correm torrencialmente sobre o papel, em desabafo e confissão, e procuram chamar a atenção da humanidade não só para questões éticas contemporâneas, mas para a ligação que existe entre nós e a Natureza — e, sobretudo, para o amor e os estremecimentos entre seres amorosos. Promessas incumpridas, alusões filosóficas: o caminho errático pelos labirintos da existência.
Como diz João Nemi Neto, “escrever poesia é se abrir para o mundo” e “falar de poesia é se arriscar e tentar se encontrar nos mundos que poetas tentam nos mostrar”. Neste jogo de chiaroscuro, a autora se revela e se esconde através dos textos e das lacunas. Os seus versos lancinantes são por vezes interrompidos por interlúdios narrativos dos quais surgem pensamentos, ora obsessivos, ora apaziguantes: feito vendaval, chuva de verão, intempérie da natureza. Caberá ao leitor desenrolar este novelo de imagens e sensações para descobrir o destino dos poemas, no movimento onda a onda de buscar salvar-se diante da vida, do amor, da Natureza — resgatar a alma e permitir-se assimilar o fulgor da existência.
Leia alguns poemas do livro:
I
Foi quando a nostalgia se sacralizou entre os corpos dos sábios,
sem sagacidade alguma,
na ponta da língua,
na ponta dos pés,
para alcançar o relevo das linhas
que enroscavam costuravam convocavam os obsessivos por escuridão
à procura do breu no beco,
cavando a terra oculta,
adubo para as mãos,
de onde floresceu o corvo
consentido pela lei da autoproclamação.
II
Eu me autoproclamo
bicho besta dinossauro de asas,
guardião de noites
desde 1969,
quando a vela incendiária arbitrou
contra os atos de elevada prática
do Amor e desfez-se
a distância que oscilava
em rodamoinhos íntimos
que remetendo à Baleia
com a cauda presa pelas redes
na maré vacilante do asfalto
sobre o qual começaram a morrer Baleias e Pescadores
que de tão saudosos as repicavam
para alinhavar colchas de retalhos.
III
Mantas de um novo Império
das carnes encouraçadas das Baleias
cobrindo um sem-número de mulheres.
Deitavam-se elas para relembrar,
e sonhar, no calor ávido dos desejosos,
os soldados de uma guerra milagrosa
por não oferecer vitória aos sobreviventes.
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Você tem língua para lamber a constelação que brilha rarefeita no seu céu da gengiva? As águias nos sobrevoam às cinco da tarde famintas por orelhas; que não nos ouçam.
O peso da pequena cidade repousou nas mãos e eu tão desatenta no labirinto do tambor, queria pertencer à floresta com ardor.
Você adormecido, dependurado
no ponteiro do relógio,
sem temer a queda no abismo do tempo.
Pois que cheguem as aves na marcha dos meteoros.
Pode um homem pornográfico,
guardado no olho hemorrágico,
na visão do derrame de um corvo albino
dobrar-se à cadência cósmica?
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Mundo no ponto morto
O que acontece é que
Nada ou pouco acontece
As árvores se movem
Para um lado, ou para outro
Os pássaros se desdizem
Faltam-lhes galhos ou ombros
E os amorosos fazem amor
No meio da guerra
Que não respira mas transpira
O ar a tudo suspende, salvo o céu em queda
As sirenes exigem toque de recolher
Quando é hora da alma retroceder,
Embora inseparável da terra
Sob a estranha película
Da chuva de chumbo
Sobre as naves loucas
No seio adocicado da humanidade
Em busca do erro da Natureza
Que a subjuga
E desaparece
No ar frio da madrugada
Em cujos prados
As raposas pulsam
Até o mundo ressuscitar
Numa manobra de Heimlich.