*Por Claudia Nina*

         Mergulhar em temas delicados não parece desafiar quem agarra a literatura à unha como o escritor Alex Andrade. O autor vem se posicionando cada vez mais com força e ímpeto no mercado literário, com um fôlego incrível em tudo o que faz. Sua palavra  percorre uma obra vasta que vai dos infantis aos adultos com grande versatilidade. O recente romance Meu nome é Laura chega pela Confraria do vento, que já editou outros trabalhos de Alex, e mistura lirismo e dramaticidade para tratar da tortuosa construção de uma identidade massacrada pelo medo, opressão e preconceito.

         A identidade que se constrói ao longo da história não começa com Pedrinho, que depois se encontra na pele de Laura; começa com Pedro, o pai. Aliás, começa antes: em Pacheco, o pai esfacelado, bêbado, violento e ausente de Pedro. Interessante como Alex desconstrói os clichês e transforma Pedro em alguém capaz de superar o trauma da infância e se tornar ele mesmo um pai amoroso, acolhedor; o maior amor de Laura, pois é nele que ela se respalda para se fortalecer desde pequena.

          “O filho era uma pergunta”, diz o texto em um determinado momento. Mas quem somos nós todos senão eternas perguntas ambulantes ao longo de nossas jornadas, especialmente no processo crucial em que alguém se torna uma pessoa no mundo? Como é difícil, lento, cheio de instabilidade esse caminhar. Imaginem a dificuldade em simplesmente existir no mundo para uma pessoa que, além de todas as agruras do percurso, ainda precisa lidar com a desconfiança, os preconceitos, as surras reais e invisíveis da família e da sociedade?

           O romance começa no antes do antes, ou seja, conta a infância dolorosa de Pedro, atravessa o relacionamento dele com a beata Heloísa, que será para o filho o olhar do medo, consubstanciado no seu pavor de ver Pedrinho aos poucos se tornar algo que ela teme e oprime de antemão. Acompanha-se a tentativa de convivência entre Pedro e Heloísa, a falência da relação e a lenta construção da identidade de Pedrinho/Laura em momentos tensos, mas de grande beleza filosófica: “O espelho era para ele, ao mesmo tempo que uma tortura, um desenho assombroso do mundo. Era onde podia ver a vida se modificando através da sua perspectiva. E, por alguns minutos, ficava parado se olhando e tentando encontrar a pessoa que estava além daquele reflexo”.

         Encontrar um mundo para existir, encontrar-se em seu próprio mundo, ser visto por si mesmo e pelos outros sem medo. São estes os maiores obstáculos que a personagem enfrenta ao longo do processo. Alex constrói a possibilidade de erguimento de Laura  com cuidado e desassombro. Uma história fundamental, que mostra que a construção do amor é possível mesmo nas mais adversas situações e que se transformar faz parte da dolorosa jornada humana.

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Claudia Nina é escritora

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