Em vez da lista dos melhores do ano, a São Paulo Review apresenta uma lista especial dedicada a revisitar livros nacionais lançados nos últimos 25 anos que, apesar de sua relevância literária, permaneceram à margem do debate crítico ou não receberam a atenção que mereciam. A proposta é lançar nova luz sobre obras que circularam de forma discreta, mas que ajudam a compreender melhor a literatura brasileira produzida neste primeiro quarto de século.

A seleção foi construída por um grupo diverso de leitores, escritores, críticos, bibliotecários — Natércia Pontes, Henrique Rodrigues, Rafael Gallo, Alexandre Staut, Marcia Barbieri e Marta Barbosa Sthephens, entre outros — que indicaram títulos de autores como Letrux, Paloma Vidal, Elizandra Souza, Patrícia Melo, Mauricio de Almeida, Marly de Oliveira, entre outros. Mais do que um balanço retrospectivo, a lista funciona como um convite à redescoberta de livros que seguem vivos, atuais e à espera de novos leitores.

Veja as escolhas abaixo:

Uma dia para família negras, de Davi Nunes (Malê, 2021)
O romance se passa em Salvador e aborda de forma não estereotipada e bastante sensível como o racismo afeta uma classe média negra intelectualizada.
(Vagner Amaro, editor e escritor)

Brincadeiras à parte, de Letrux (Editora Planeta, 2025)

Como quem não quer nada, Letícia Novaes pega o morto e faz literatura das boas. Excelente e curioso.

(Natércia Pontes, escritora)

Selvagem, de Marília Passos (Editora Labrador, 2022)

Um drama humano de autodescoberta, Selvagem é uma obra intensa, uma experiência literária arrebatadora que merece ser revisitada por conta de seu tema atual (guerra civil e desafios humanitários), bem como por seu alto poder de despertar no leitor sentimentos à flor da pele.  

(Gustavo Rossetti Viana, jornalista e escritor) 

Vale das Ameixas, de Hugo Almeida (Editora Sinete, 2024)

Essa obra constitui-se num puzzle narrativo, um verdadeiro monumento à linguagem, injustamente neglicenciada pela crítica e mídia. Meticuloso como um ourives, o autor constrói uma história híbrida na forma e densa no conteúdo, destacando-se pelo seu vigor, carga semântica e metafórica e pela tensão de uma história, cujo enredo culmina num poderoso escrutínio das inquietações existenciais e metafísicas de seus personagens.

(Ronaldo Cagiano, escritor)

Encrenca, de Manoel Carlos Karam (Ateliê editorial, 2002)

Uma pitada de Perec, outra de Cortázar, um temperinho de Pynchon… Mas com ingredientes e molhos brasileiros! Encrenca, de Manoel Carlos Karam, é aquele remédio literário que você toma para curar o tédio, e acaba virando o tempo de cabeça pra baixo e bagunçando sua memória pra sempre – tipo Invetral 2.500, o fictício elixir do livro. Em 160 páginas de puro caos, moedas decidem o destino e ladrões roubam diálogos, e o autor faz desse clássico contemporâneo a prova cabal de que a literatura é um jogo.

(Carlos Henrique Schroeder, escritor)

Mulheres empilhadas, de Patrícia Melo (Leya, 2019)

A narrativa é híbrida, direta e crua, com especial atenção à atmosfera provocada pela temática da violência contra a mulher, interessando a quem lê tanto no conteúdo quanto na forma literária.

Por mais que o discurso político seja o mais evidente na obra em questão, Patrícia Melo trabalha sua escrita com novas ferramentas nesse thriller, desenvolvendo o arco da personagem principal, a narradora não nomeada, com o uso da memória, trauma e ruptura de ciclos, seja o da geração anterior ou do presente. 

(Lorraine Ramos Assis, pesquisadora e crítica literária) 

Viagem a Andara – O livro invisível visível invisível – Uma antologia, de Vicente Franz Cecim (Org. Marcelo Ariel, Ed. LetraSelvagem, 2024)

O escritor amazonense Vicente Franz Cecim é o Guimarães Rosa do Século XXI, autor de uma transficcionalização e transfiguração da Amazônia intitulada Viagem a Andara, reunida em 2020 em um único volume de mais de mil páginas pela Editora Paka Tatu, de Belém. Esta Antologia organizada por mim com sua colaboração durante um período de sete anos e lançada após sua morte em 2021 é uma porta de entrada para seu universo mítico e metafísico. O Brasil precisa conhecer Vicente Franz Cecim! 

(Marcelo Ariel, escritor)

Terra dentro, de Vanessa Vascouto (Reformatório, 2020)

É um livro que merece ser lembrado pelo belo enredo da relação entre irmãos e um minucioso trabalho de linguagem para dar vida aos diferentes narradores.

(Mauro Paz, escritor)

Testemunho transiente, de Juliano Garcia Pessanha (Sesi-SP, 2018)

Testemunho transiente é uma tetralogia que transita por diferentes gêneros como aforismo, poesia em prosa, conto e ensaio filosófico. Entretanto, a sua maior força está na escrita visceral e que foge do lugar comum, levando o leitor a uma experiência única e avassaladora.

(Márcia Barbieri, escritora.)

Casa entre vértebras, de Wesley Peres (Record, 2007)

O livro de prosa poética mais intenso que li no período. Apesar de ter saído pela Record, o fato de o autor estar no interior de Goiás tornou-o invisível por conta da concentração sudestina do que parece ser mais relevante.

(Henrique Rodrigues, escritor)

Poesia completa, de Alberto da Cunha Melo (Record, 2017)

Um dos maiores poetas brasileiros também parece ter caído no esquecimento geral. Sua obra é vítima de um tempo em que a poesia rasteira do Instagram parece impedir qualquer mergulho com mais profundidade numa literatura mais densa.

(Henrique Rodrigues, escritor)

A folha de Hera: romance bilíngue, de Reinaldo Santos Neves (GSA, 2011)

O autor capixaba escreveu o calhamaço em inglês, pois o narrador seria norte-americano, para só depois traduzir para o português. Reinaldo é o Umberto Eco Brasileiro, e se o Brasil fosse sério ele estaria circulando dando conferências país adentro.

(Henrique Rodrigues, escritor)

Pustulâncias, de Aline Prúcoli de Souza (Cousa, 2013)

O romance disruptivo e complexo da autora capixaba certamente seria um sucesso se ela figurasse entre a classe média paulistana.

(Henrique Rodrigues, escritor)

O itinerário do curativo, de Nicolas Behr (Reformatório, 2022)

Citei esse mas poderia mencionar qualquer outro livro do autor, que está em plena produção mas com atenção muito aquém do que deveria, configurando-se como uma das poucas coisas que se salvam em Brasília atualmente.

(Henrique Rodrigues, escritor)

O mar não sofre coisa morta, de Leonardo Paiva (Moinhos, 2007)
Tumores da sociedade contemporânea tematizam essa extraordinária coletânea de contos, cuja força está na prosa crua, áspera, marcada por uma violência que choca por ser perturbadoramente contida, normal, combinando o não dito e o fantasioso para solidificar uma das melhores estreias da literatura brasileira.
(Sergio Tavares, escritor e crítico)

O motorista de Médici, de Mário Rodrigues (ÓIA editora, 2023)
Uma contundente e magnífica radiografia do período militar através do olhar de um narrador que cobre com certo afeto uma figura tenebrosa, um homem que conviveu intimamente com a prática da tortura, que construiu com atrocidades sua biografia.

(Sergio Tavares, escritor e crítico)

Aberto está o inferno, de Antonio Carlos Viana (Companhia das Letras, 2004)

Antonio Carlos Viana (1944-2016) foi um mestre em desconstruir ideais de salvação em narrativas breves. Este livro é uma aula de como o realismo social encontra elementos fantásticos e psicológicos.

(Marta Barbosa Stephens, escritora)

Poesia completa, de Orides Fontela (Hedra, 2015)

Por mais que a obra completa de Orides Fontela tenha sido organizada e publicada na edição cuidadosa da Hedra, em 2015, os versos da autora ainda não receberam a atenção que merecem entre o grande público. A brevidade dos poemas e a singeleza das imagens podem fazer muito bem aos leitores e especialmente aos poetas deste primeiro quarto de século, repleto de obras rebarbativas e prosaicas, sem a intensidade concisa do trabalho de Orides. 

(Rogério Duarte, escritor, editor e professor)

Fantasma, de Nilton Resende (Trajes Lunares, 2021)

A memória é a matéria fundamental do trabalho de Milton Resende, que criou um romance de capítulos curtos e intensos, cujo fantasma do título se compõe aos olhos do leitor por meio da própria linguagem. Não vi ninguém comentar esse livro primoroso, que merece atenção.  

(Rogério Duarte, escritor, editor e professor)

Elas marchavam sob o sol, de Cristina Judar (Dublinense, 2021)

A passagem dos meses do ano marca os descaminhos de duas adolescentes: uma rebelde urbana de classe média e uma aprendiz de bruxa, moradora das margens. O enredo é pontilhado de questões que dizem respeito às mulheres, alinhavadas por um território intersticial entre ficção e não ficção e pela linguagem também instável –– linhas de força de um romance que merece mais atenção do público. 

(Rogério Duarte, escritor, editor e professor)

Vulgar, André Medeiros Martins (publicação de forma independente, 2020)

É uma obra que combina fotografias e textos sobre questões de gêneros e sexualidades. É uma obra importante porque usa a fotografia, a imagem, para desafiar e discutir a diversidade de corpos. Vivemos em uma Era de etarismos, racismos e outros preconceitos tantos que faz uma distorção de imagens dos nossos corpos e transforma nossos desejos em padrões de consumo. A obra de Martins traz uma discussão importante para olhares menos colonizados e capitalistas de corpos, desejos e pornografia.

(Daniel MANZONI-DE-ALMEIDA, escritor e professor)

Equatoriais, de Maurício de Almeida (Maralto, 2023)

Há uma frase corrente sobre o Jeff Beck, de que ele é “o guitarrista preferido do seu guitarrista preferido”. O Maurício é um pouco essa figura entre os escritores e escritoras de nossa geração. Já ouvi de muitos colegas que ele é o mais brilhante de nós, e concordo com isso. Embora o grande público ainda não esteja alinhado com isso, creio que será uma questão de tempo, como é tão frequente na literatura e já aconteceu, infelizmente, com tantas outras grandes figuras. “Equatoriais” é um dos melhores livros de contos que já li na vida.

(Rafael Gallo, escritor)

Diários do infinito, de Newton Moreno (Folhas de Relva Edições, 2024)

Trata-se de um livro que articula escrita, pensamento e imaginação para refletir sobre o tempo, o desejo e as formas possíveis de existir.

(Alexandre Staut, editor e escritor)

A Urna, de David Oscar Vaz (Ed. Ateliê, 2001)  

Indico um livro meu de contos, muito bem recebido pela crítica, mas pouco lido. Uma urna com sete histórias em que os desejos mais simples ganham profundas complexidades e desdobramentos inesperados, apaixonados, por vezes cruéis.

Fita azul, de Edmar Monteiro Filho (Babel, 2011)

Narrativa poderosa sobre o tempo e a memória. 

(Eltânia André, escritora)

Filha do fogo, de Elizandra Souza (Global, 2023)

A obra reúne doze contos que exploram o amor e a cura como forças silenciosas, em narrativas que avançam pelo íntimo e pelo essencial.

(Janaína Aparecida de Souza, bibliotecária)

Terra dentro, de Vanessa Vascouto (Reformatório, 2020)

Está longe de ser um livro que passou despercebido: o romance foi publicado por uma editora renomada, tem texto de orelha assinado por Nara Vidal e foi bem recebido pela crítica. Ainda assim, gostaria que mais e mais pessoas conhecessem a obra. A narrativa mergulha nas relações familiares de forma autêntica e arrebatadora, por meio de uma linguagem própria, poética e hipnotizante. Um romance para ser lido e relido atentamente, palavra a palavra. 

(Bruno Inácio, escritor e crítico)

Um quarto em Cavala, de Viviane Ka (Laranja Original, 2024)

Na intenção de dar visibilidade a muitos livros incríveis que foram lançados, seja por editoras grandes ou independentes, e que passaram batidos por se perderem no marketing editorial nas apostas mais garantidas de venda.

(Viviane Ka, editora e escritora)

Dupla exposição, de Paloma Vidal (editora Anfiteatro, 2026)

Ao reunir os textos de Paloma Vidal e as imagens de Elisa Pessoa, o livro propõe uma investigação sobre os limites e os cruzamentos entre linguagens, tempos e gêneros.

(Carmem Lúcia Amaral, bibliotecária)

A menina que me visita, de Lucia Fonseca (7Letras, 2025)

Neste livro de contos Lucia Fonseca traz instantes de uma matéria viva que brota no ver e ser visto. Na sua prosa, a poética das imagens convoca sons, cores, luminosidades, sombras. Lampejos de um universo que se faz a cada olhar da personagem. O perigo de existir. E de perceber com os sentidos.  Lucia tem uma precisão que nos coloca em contato com a vida em estado bruto, pela coragem de escavar e tocar no tecido da linguagem.

(Susana Fuentes, escritora)

A Suave Pantera, de Marly de Oliveira (Secretaria de Cultura do espírito Santo, 2018)

Um livro seminal, de uma das maiores poetas da língua portuguesa, inexplicavelmente negligenciada em um século que elegeu a literatura feita por mulheres como front principal. 

(Ubiratan Muarrek, escritor)

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