
* Da redação e da equipe de colaboradores SPR *
Aqui. Neste lugar, de Maria José Silveira (Autêntica, 224 págs.)
Em uma época passada, pré-invasões europeias, uma profusão de seres e povos da floresta se prepara para um embate que promete abalar a vida no planeta. Neste romance distópico e metafórico de Maria José Silveira, amazonas e guerreiros viris dividem a cena com figuras ambíguas e cômicas, como os irmãos Macu e Naíma, espécie duplicada de Pedro Malasartes, além de outros tantos entes do folclore nacional. Num enredo que marcha de várias direções para chegar a uma arena mítica, a autora nos envolve numa narrativa que mescla humor, sensualidade e crítica social.
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As coisas de que não me lembro, sou, de Jacques Fux (Aletria, 56 págs.)
Prosa poética em que o autor mineiro se volta à infância e juventude; livro com ares de romance de formação, trazendo memórias, traumas e grandes amores. O projeto gráfico é caprichado e as ilustrações de Raquel Matsushita têm inspiração no surrealismo.
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Estudo Sobre o Fim: bangue-bangue à paulista, de Paula Fábrio (Reformatório, 136 págs.)
A partir de um roubo de bicicletas num edifício de classe média em São Paulo, este romance traz uma trama envolvente que apresenta a complexidade da sociedade brasileira na formação e nas diversas nuances da onda ultraconservadora que se abateu sobre o País. Um livro que é a cara do Brasil contemporâneo.
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Pequenas vinganças, de Edney Silvestre (Globo, 160 págs.)
O livro de contos traz diferentes momentos do passado do Brasil em tramas envolventes. O livro abarca as atrocidades racistas da Guerra do Paraguai, passando por um mergulho na frívola elite da ditadura Vargas e na indiferente alta-sociedade durante a ditadura militar. O autor também retrata a violência contemporânea que aflige inocentes, a pandemia que se abateu sobre o planeta em 2020.
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A cabeça do pai, de Denise Sant’anna (Todavia, 141 págs.)
Romance sobre os laços emocionais e orgânicos que nos ligam aos outros, atravessados tanto pela violência quanto pelas graças do acaso. A narrativa tem início quando o pai da narradora, idoso e exausto de cuidar da esposa com Alzheimer, embora física e mentalmente ativo, sofre um AVC hemorrágico. O trágico episódio abre uma janela para a memória afetiva, descortinando uma teia de relações familiares e sociais acerca da consciência da morte.
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Dilúvio das almas, de Tito Leite (Todavia, 116 págs.)
Leonardo volta ao Nordeste, a Dilúvio das Almas, sua cidade natal, depois de muitos anos vivendo de todas as formas em São Paulo. Mas o retorno ao sertão semiárido está longe de ser idílico: a violência e a ignorância que o fizeram migrar continuam ali. Escrito num tom por vezes filosófico e desencantado, que contrasta com o extremo realismo das cenas e a secura dos diálogos, este é um romance potente sobre como pode ser difícil reinventar o próprio passado.
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Humanos exemplares, de Juliana Leite (Companhia das Letras, 248 págs.)
Natalia é uma mulher velha que passa os dias reclusa em seu apartamento à espera de telefonemas da filha que mora em outro país. Viúva e última sobrevivente de um grande grupo de amigos, ela carrega os seus queridos humanos como um buquê íntimo de desaparecidos, companhias invisíveis que povoam a casa a partir de suas memórias. Vicente, companheiro de Natalia, era professor de geografia e foi perseguido pela ditadura. Sarah, sua melhor amiga, era uma mulher de temperamento impossível e dona de uma loja de biscoitos. Jorge, um morador de rua, lia cartas prevendo o futuro e recebia doses de Campari em troca. Este é o mote deste romance.
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Uma temporada no inferno, de Henrique Marques Samyn (editora Malê, 120 págs.)
Após a transferência dos internos do Hospício Nacional de Alienados, descobrem-se no prédio duas pilhas de anotações atribuídas a um paciente jamais identificado. A leitura dos fragmentos revela a história de um escritor que voluntariamente se internou no Hospício para seguir os passos de Lima Barreto, mas que conheceu um trágico destino ao tornar-se uma espécie de duplo do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma. Romance em fragmentos, Uma temporada no inferno não apenas dialoga intensamente com a vida e a obra de Lima Barreto, como também reconstitui um período no qual os discursos e as práticas eugenistas faziam convergir o racismo e a violência manicomial.
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Sonho manifesto, de Sidarta Ribeiro (Companhia das Letras, 181 págs.)
Mantido o rumo atual da vida na Terra, o futuro é impossível. Em seu novo livro, o autor de O oráculo da noite compartilha conhecimentos de cientistas, pajés, xamãs, mestras e mestres de saber popular, artistas e inventores que nos lembram da importância de sonhar coletivamente com o futuro do planeta.
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Você não deve esquecer nada – Memória e identidade na ficção em Philip Roth, de Isadora Sinay (Folhas de Relva Edições, 218 págs.)
Este livro nasceu de um interesse da autora em estudar o Holocausto em escritores judeus que não tivessem uma conexão familiar ou pessoal com esse evento histórico. O recorte a levou a um estudo da comunidade judaica dos Estados Unidos, na qual a maioria dos imigrantes chegou no final do século XIX e início do século XX, uma vez que em 1924 o país instituiu o sistema de cotas migratórias que, na prática, fechou as fronteiras para novos imigrantes judeus. Essa formação populacional teve como consequência que, na década de 1930, quando a ascensão do nazismo começa, já existisse nos Estados Unidos uma comunidade numérica e culturalmente muito significativa, assim como judeus que eram a terceira geração de imigrantes e que se consideravam plenamente americanos.
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Labor de sondar, de Lu Menezes (Círculo de Poemas/ Fósforo, 310 págs.)
O livro reúne pela primeira vez toda a obra poética de Lu Menezes, uma das maiores poetas em atividade no país. Estão presentes os três livros publicados pela autora, O amor é tão esguio (1979), — Abre-te, rosebud! (1996) e Onde o céu descasca (2011); as duas plaquetes: Gabinete de curiosidades (2016) e Querida holandesa de Vermeer (2020); além de um novo conjunto, de título homônimo ao do volume, Labor de sondar, que traz poemas inéditos e outros publicados esparsamente em revistas a partir de 1977.
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30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo (Companhia das Letras, 120 págs.)
Antologia inédita de poemas de Oswaldo de Camargo, escritor que desmonta, através da literatura, alguns castelos em que se escondem o preconceito e o racismo. Numa produção que perpassa mais de quarenta anos de luta e resistência, esta antologia reforça a excepcionalidade da obra de Oswaldo de Camargo, que, a partir da experiência individual e coletiva de homem negro num país de passado escravocrata, reverbera sua voz atemporal.
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Na foto, a poeta Lu Menezes, autora de Labor de sondar.