
* Por Clever Roberto Munhoz *
Em O pugilista, batismo literário do professor de ecologia Marcelo Nogueira Rossi (Folhas de Relva Edições), o leitor se depara diante do anzol ficcional logo em suas primeiras linhas, sob a égide de um evidente transtorno comportamental. Danniel, o protagonista, goza de uma prosaica e medíocre competência profissional, mas que o consome tanto quanto sua sintomatologia patológica.
E, impulsionado pela repugnância desenvolvida face a sebosa e tóxica figura patronal, que o assombrará em seu tétrico encontro consigo mesmo, e forjado pela própria incontinência temperamental e pelos vacilos contingenciais que chamamos de destino, rastejará até o golpe final.
Mas esse deslocamento não deixará de lhe adoçar a ambição e o afã pelo raso, pelo supérfluo, pelas armadilhas biológicas da espécie, pela entidade atávica que, por vezes, se sobrepõe às barreiras corticais – e que expõe a virtude como refém do vício.
A sensibilidade descritiva desvela o sutil cenário sem depender de citações cronológicas. As figuras humanas se movem de mãos dadas com o bem e o mal. Entre o seco e o viçoso. Cruamente. É assim que o leitor sente o entusiasmo inicial ser contraposto pelos primeiros engulhos, a brisa e o mergulho da gangorra, até o momento de se reconhecer conectado ao personagem, avatarizado, a ponto de se acusar toda força do deslocamento sísmico imposto por mais uma incongruência comportamental, à moda homo (pouco) sapiens, e abraçar a imediata angústia da controvérsia humana. No espelho, herói e vilão compartilham e refletem o mesmo rosto.
O livro se assoberba pelos conflitos e vicissitudes humanas, seus saltos e tropeços – intransigentes! -, e cospe o que sobra. Quem disse que lutar basta?
Marcelo Nogueira Rossi, o autor, nasceu em 1971 em Taquaritinga (SP). É formado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa e tem licenciatura em Matemática pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrado e doutorado em Zoologia pela Unesp (Botucatu). Atualmente é professor de Ecologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/Diadema) e vive em Itapecerica da Serra (SP).
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Clever Roberto Munhoz é psicólogo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
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Imagem ilustrativa: Cartier-Bresson