Café ’Ino

Quatro ventiladores girando no teto.

O Café ’Ino está vazio, a não ser pelo cozinheiro mexicano e por um ga‑ roto chamado Zak, que atende meu pedido habitual de torrada de pão integral, um pratinho de azeite e café preto. Me instalo no meu canto, ainda de casaco e gorro. São nove da manhã. Sou a primeira a chegar.

Bedford Street enquanto a cidade acorda. Minha mesa, ladeada pela máquina de café e pela vitrine, me proporciona uma sensação de privacidade, onde me recolho na minha atmosfera particular.
Final de novembro. Faz frio no pequeno café. Mas então por que os ventiladores estão ligados? Se eu ficar olhando para eles por algum tempo, talvez minha cabeça também comece a girar.
Não é tão fácil escrever sobre nada.

Ouço o som da voz arrastada e autoritária do vaqueiro. Anoto a frase dele no meu guardanapo. Como pode o sujeito me desafiar num sonho e depois não falar mais nada? Sinto que preciso rebatê‑lo, não só dar uma resposta rápida, mas agir de alguma forma. Olho para as minhas mãos. Tenho certeza de que poderia escrever infinitamente sobre nada. Se ao menos eu tivesse nada a dizer.

Depois de um tempo, Zak põe outra xícara de café na minha frente.

— Esta é a última vez que eu vou te atender — ele diz solenemente.

Ele faz o melhor café das redondezas, por isso fico triste ao ouvir aquilo.

— Por quê? Você vai para outro lugar?

— Vou abrir um café na praia, no calçadão de Rockaway Beach.

— Um café na praia! Olha só, um café na praia!

Estico as pernas e fico contemplando Zak cumprir suas tarefas matinais. Ele nem faz ideia que eu já sonhei em ter um café. Acho que essa vontade surgiu com leituras sobre a importância dos cafés na vida dos beats, dos surrealistas e dos poetas simbolistas franceses. Não existiam cafés onde eu cresci, mas havia nos meus livros, e eles floresceram nos meus sonhos. Em 1965 eu vim de South Jersey a Nova York só para perambular por aqui, e nada me parecia mais romântico que sentar e escrever poesia num café do Greenwich Village. Finalmente tive coragem e entrei no Caffè Dante, na MacDougal Street. Sem dinheiro para pedir uma refeição, só tomei um café, mas ninguém pareceu ter se incomodado. As paredes eram revestidas de murais impressos com a cidade de Florença e cenas de A divina comédia. As mesmas cenas que perduram até hoje, descoloridas por décadas de fumaça de cigarro.

Em 1973 me mudei para um quarto arejado e de paredes brancas com uma pequena cozinha na mesma rua, a dois quarteirões do Caffè Dante. À noite, eu podia sair pela janela da frente e ficar na escada de incêndio observando a movimentação do Kettle of Fish, um dos bares que Jack Kerouac frequentava. Ha‑ via uma pequena barraca na esquina da Bleecker Street, onde um jovem marroquino vendia pães frescos, anchovas em salmoura e ramos de hortelã fresca. Eu acordava cedo para comprar os produtos. Fervia água, despejava num bule cheio de hortelã e passava as tardes tomando chá, fumando lascas de haxixe e lendo as histórias de Mohammed Mrabet e Isabelle Eberhardt.

O Café ’Ino não existia naquela época. Eu sentava perto de uma vitrine baixa do Caffè Dante que dava para a esquina de uma viela, lendo The Beach Café, de Mrabet. Um jovem peixeiro chamado Driss conhece um tipo excêntrico, recluso e rabugento que tem uma espécie de café com uma só mesa e uma cadeira numa praia pedregosa perto de Tânger. A atmosfera morosa ao redor do café me deixou tão cativada que tudo que eu queria era estar lá.

Assim como Driss, eu sonhava em abrir o meu próprio café. Pensava tanto naquilo que quase podia materializar meu sonho: o Café Nerval, um pe‑ queno paraíso onde poetas e viajantes poderiam encontrar a simplicidade de um abrigo.

Linha M, de Patti Smith (Companhia das letras, 216 págs.)

Tags: