* Por Renan Flumian *

Mad About the Boy – Cécile Mclorin Salvant – base sonora

Pousada perto da Pedra Açu, verão de 2009. Pedra Açu é um acidente geográfico localizado entre Petrópolis e Teresópolis e possui 2.236 metros de altitude. Acabei de confirmar no google. É isso mesmo.

A história é que minha mãe montou uma pousada na serra. Tinha cansado da vida agitada no Rio de Janeiro, trabalhava num escritório de advocacia, esses bem grandes, em que cada advogado fica encarregado de algo bem específico pra saber tudo de cabeça e ganhar eficiência. Santa palavra. Eficiência, insensível, burra, apontando pra linha de chegada imaginária…

Bom, como estava dizendo, a história é que minha mãe ficou de saco cheio e montou essa pousada lá na serra. Estava indo super bem e por isso não tive escolha ao voltar de Sevilha. Morei e estudei gastronomia por três anos na Escuela Superior de Hostelería de Sevilla. Fiz alguns estágios em bons restaurantes da cidade. Na verdade, não queria voltar, mas minha mãe contava comigo. Aliás, ela topou pagar meu curso, exatamente para eu voltar e assumir o restaurante da pousada. E não tinha como deixar pra outra pessoa. Ser filha única é foda, ainda mais de pai desconhecido. Um desgraçado que nunca conheci, mas que devia foder bem. Mesmo com o seu sumiço, minha mãe não falava mal dele.

Toda segunda e terça escapo pro Rio. Do contrário, ficaria louca. Nada pior do que passar muito tempo num lugar calmo, lindo e relaxante. As pessoas não entendem, mas se ficar preso por muito tempo nesse mar de rosas, você acaba se afogando. Imagine você pra sempre trancada dentro do jardim de Monet? Como falei, meus respiros acontecem na segunda e na terça. A merda é que são justo os dias que a galera tá mais devagar, curando os excessos do fim de semana. Todo mundo no yoga, pilates, crossfit e eu querendo ferver.

Toda quarta, no começo da tarde, preciso voltar pra serra. Supervisionar as compras da semana e cuidar de todo o resto também. Ser o braço direito de minha mãe, minha função.

A pousada lota especialmente de quinta pra frente. A principal clientela vem do Rio mesmo, tudo pra escapar daquele inferno delicinha e relaxar no verde ameno da serra dos órgãos. Não vou dizer 100%, tá bom, vou dizer que 100% do nosso público é constituído por famílias. E nem falo de recém-casados doídos pra curtir um pouco, é família mesmo. Com filhos. Querendo relaxar, descansar enquanto os filhos brincam com os filhos dos outros.

Era uma sexta, já tinha passado das 4 da tarde. Saio da cozinha pra ver um problema na torneira de um dos chalés. No caminho passo pela recepção, tenho que passar por lá, e antes de chegar já escutei gargalhadas da minha mãe. Vejo ela de frente sorrindo e dois dorsos masculinos, um tinha costas bem largas, o que me lembrou um italiano que conheci na Croácia. Não posso dizer nomes. Que memória viva do safado gostoso.

Ele, não o italiano da Croácia, era moreno, cílios e coxas enormes, cabelo castanho escuro sem pentear, barba por fazer e tinha curiosamente três fios louros na sobrancelha esquerda. O outro era mais claro, estilo parisino. Não, péra. Ele é a cara do Diego Luna, uma amiga espanhola é tarada neste ator. E ainda tinha a barba meio ruiva, piro em homens de barba ruiva. Tá na cara, um casal gay que veio descansar.

Já sei, mãe, estou indo lá agora ver o que aconteceu.

O esquema era o seguinte, durante o dia íamos perguntando aos hóspedes se eles jantariam no restaurante. Assim, a comida era preparada sob medida e com dedicação, desde a escolha dos ingredientes. Quase todos confirmaram nesse dia, grande correria. E na minha ronda avaliativa que sempre faço pra saber se gostaram da comida e dar atenção, aliás, como as pessoas precisam de atenção, meu deus.

E aí, gostaram?

Muito. Você é a chefe?

Sim.

O que vocês comeram?

Eu, o risoto de abobrinha.

Fui de cordeiro. Uma delícia.

Que bom, fico feliz. Vão ficar quanto tempo?

Só hoje.

Só? Bem pouquinho.

Pois é, estamos rodando e tirando fotos.

Fotos, como assim?

Estamos com um projeto. A ideia é dar a volta ao mundo tirando fotos e interagindo com pessoais locais, em suas casas, trabalhos, invadir o cotidiano das pessoas e transformá-lo um pouco.

Estão me zuando?

Não, é sério, ele é o fotografo e eu o modelo vivo.

E quando vão começar?

Já começamos, ficamos um mês nos Estados Unidos, voltamos pra cá porque eu tinha que resolver um lance do inventário de meu pai, e em 15 dias, vamos pra Argentina. Ah, fizemos uma ação agora no Rio antes de vir pra cá.

Tô ligada que vocês estão me zuando.

Juro que não, só não mostro as fotos porque uso máquina analógica.

Não quer participar?

Olha, vamos fazer o seguinte, vou pra cozinha terminar de organizar as coisas e volto pra conversarmos. Ok?

Caralho, quem são esses caras? Já não sei mais se são gays, essa história é bizarra, não podia ser verdade. E se fosse? Bom, o que eu perderia? Não teria nada pra fazer depois. Ler algum livro ou ver alguma série, antes ou depois de me masturbar, é claro. Ah, foda-se, vou pegar uma garrafa de vinho na despensa e vamos ver qual é.

Tome conta de tudo, disse minha mãe, antes de ir pra casa do namorado em Itaipava. Geralmente ela dorme por lá. Às vezes, uma vez por semana.

Tudo organizado, só faltava terminar de lavar os pratos e talheres, deixei meu ajudante na tarefa e fui pro salão do restaurante. Não tinha mais ninguém, só os dois.

Vamos?

Eu também peguei a chave do principal chalé. Uma família desocupou hoje e como ainda não foi limpo, achei melhor fazermos as fotos lá. Além do que está mais afastado e assim podemos ficar mais tranquilos com o lance do barulho, pois vou dizer que a galera aqui é chata pra caralho. Aqui é um lugar de descanso, não se esqueçam.

Qual a ideia?

A ideia é ele se vestir de mulher e vocês sentarem naquele sofá, depois aos poucos devem interagir entre si.

Interagir… como?

Descubram-se como corpos humanos. Visitem um ao outro, ao mesmo tempo que um convida o outro… a visitar.

O que é isso, hein?

Uma performance. Uma volta ao natural, retirar todas as camadas que camuflam a troca real entre pessoas.

Volta ao natural?

Sim, mas não se trata do nu simplesmente. É a entrega real para uma troca de fato, uma interação verdadeira, algo que está quase em extinção nesta sociedade pragmática, marcada pelo medo do diferente, do novo, do outro. Essa castração química que parece acometer a maioria.

Peraí, a ideia é ficarmos pelados no fim?

Pode ser, mas só se vocês evoluírem naturalmente nesse sentido.

Hum, já volto.

Eu tenho uma mala de roupas. Vestidos renascentistas e muitos badulaques. Antes de ir pra Sevilha capacitar minha paixão, trabalhei como figurinista em diversos espetáculos no Rio. Quero só ver a cara deles.

O que é isso?

Vestidos. E trouxe maquiagem também. Temos que transformá-lo numa bela mulher.

Você é demais.

Deixa eu ver.

Sente aí que irei te preparar.

 

Começou a sessão de fotos. Eu com um vestido renascentista amarelo-madrepérola, no meio da serra dos órgãos, o moço das costas largas usando um vestido viking de noiva branco, que ficava bem estreito justamente no peito. Sentei no braço esquerdo do sofá, esquerdo de quem olha pro sofá, no caso o impostor do fotógrafo. Alcanço o rapaz que está no meio do sofá com os meus pés, toco suas coxas lentamente num efeito boomerang.

Retirei minha ombreira e joguei no chão, ele começou a soltar os laços do vestido que já estavam pela metade, porque não fechou de jeito algum, e o seu peito quase sem pelo começou a aparecer. Que delícia.

Isso, está ótimo. Continuem.

Aquele fotografo fajuto já devia estar excitado. A noiva viking já estava de pau duro. Vi o tecido organza do vestido sendo empurrado com força pra cima e resistindo, cedia apenas um pouco. Pulei do braço pro colo, sentei de frente pra ele e de costas pro fotógrafo. Comecei a me esfregar e lamber seu pescoço esquerdo. Peraí, não existe pescoço esquerdo e direito, né? Bom, você entendeu, a esquerda de quem olha pra alguém, no caso minha esquerda. E, ao erguer a mão pra tocar meu corpo sentiu um tapa esquentar sua pele, eu dirijo a gente, disse no pé do seu ouvido esquerdo.

Levanto do sofá, fixo meus olhos no moço e peço pro fotógrafo estacionar a câmera e vir desabotoar meu vestido. Quero ver a reação deles ao perceberem a não transição, estou nua por baixo. Sem calcinha e sutiã. Esses dois queriam putaria, mas a real é que eu quero muito mais do que eles. Era a minha chance de ferver na pousada da minha mãe. O filho da puta já tocou minha bunda por trás enquanto o moço do sofá tinha um tesão cristalizado no olhar.

Você, volte a tirar foto.

Você, levanta.

Abaixo com mãos trêmulas aquele vestido ansiosa pra descobrir o pau dele. Poder medir o quanto está duro. E estava para um caralho. Empurrei ele de volta pro sofá, repousei os dois joelhos no tapete shaggy, que confortável, poderia chupar por horas. Carnes em contato, escorregadias, aquele paladar safado. Virei a cara em câmera lenta pra ver se continuava tirando fotos, e o mentiroso já estava pelado se masturbando e sua câmera jogada sobre o mesmo tapete.

Quero fotos, não pare!

Queria ver ele com o pau duro solto, levitando e as duas mãos ocupadas fazendo cliques do meu corpo, da cara de tesão do amigo dele e do meu boquete. Serra dos órgãos é o meu ovário, a pedra açu foi substituída pelo meu monte de vênus, que nessa altura estava enfiado na cara daquele safado, que lembrava o italiano gostoso, daí ficava com mais tesão e passava meu clitóris nos seus olhos e nariz. Ele de língua pra fora beijava os meus lábios pequenos, os grandes. Afastei minha boceta, o moço veio junto com o movimento querendo me chupar mais.

Não. Levanta, vamos pro quarto.

Você também, deixa a câmera.

Deitei os dois como palitos de fósforos, um ao lado do outro. Era aquela horizontal com uma pequena saída vertical, tipo L pra canaleta mas ao inverso. Ajoelhei na cama usada de sono, nada de sexo, aposto. Com a mão direita, minha mão direita, peguei no pau do fotógrafo e usei a esquerda pra tocar na rola do dublê de italiano.

Com os meus dedões massageava a cabeça daquelas rolas, segurando firme no corpo de cada pau, tudo pra escutar aquela orquestra não ensaiada, onde dois músicos improvisavam seguindo o ritmo do próprio tesão. O barba ruiva soltava uns grunhidos deliciosos, como que se caminhasse à beira de gozar a todo instante. Apertei meus dedos com toda força, fechei minhas mãos com intuito de esmagar e comecei a masturbá-los num exercício parecido com o nado sincronizado.

Só interrompia a perfeita execução do meu balé pra enfiar um dos paus na minha boca, enquanto a outra mão seguia em ritmo olímpico. Ia trocando de lado conforme uma respiração imaginária. Parei. Não lembro se falei quero foder ou se simplesmente sentei no barba ruiva, que permanecia imóvel na horizontal, só seu pau destoava saltando pra cima. O tipo italiano ajoelhou-se na cama pra chupar minhas tetas enquanto eu cavalgava. Enfiei até o fim e subi umas cinco vezes, antes de simplesmente sentar completamente, com tudo dentro, e me esfregar, esfregar, mover norte-oeste-sul-leste sem parar. Agora beijava minha boca, e o barba ruiva tocava meus seios.

Você, enfia no meu cu agora.

Passei para um movimento norte-sul muito lentamente pro moço das costas e pau largos conseguir enfiar no me cu. Eu adoro dar o cu. Eles não sabiam, mas era a primeira vez que ia rolar dupla penetração, não quis contar pra não perder meu papel de regente, eles estavam seguindo todas as minhas ordens. Eu inverti aquele jogo, vieram com papinho, inventaram história pra me comer e não contavam que eu queria aquilo muito mais que eles.

Posso dar conselho aqui também? Se sim, experimentem. Tesão filha da puta. Eu mexia pra frente e pra trás, freneticamente, sentindo minha boceta e cu sendo preenchidos pela carne dura e macia ao mesmo tempo. Segui, segui e conheci o primeiro squirt da minha puta vida. Ejaculei pra caralho e minhas pernas tremiam, joguei meu corpo de lado e exige porra.

Os dois se perfilaram, ombro com ombro, do meu lado esquerdo, esquerdo de quem está deitado na cama, um na altura da cara, boca, e outro na altura das minhas tetas, barriga. Agora eram eles a performar, em exercícios ritmados, iam e voltavam ao mesmo tempo, parece que realmente já tinham feito isso muitas vezes. Tinham sintonia e nada de fimose.

Grunhidos foram ganhando intensidade e me cobriram de porra. Estava gozada quase inteira e entre minhas pernas o mais importante, o meu líquido, o meu, a marca do meu gozo mais intenso. Que delícia explodir.

Ainda bem que o quarto não foi limpo antes (rs).

Que delícia você.

(risos)

Nossa, estou inteiro melecado do teu squirt. Você sempre faz?

Sempre, é, quase sempre, mas sempre que dou pra dois sim.

Fez muitas vezes?

Cada um tem seu projeto especial, não é? Mais fotos?

Acho que vamos estender a estadia.

Eu dou desconto.

Fechado então .

Eles ficaram mais duas noites e transamos incontáveis vezes. Na cozinha, atrás da mesa da recepção, na sauna, na trilha, indo pra pedra açu. Inclusive, uma senhora de uns 60 e poucos anos nos pegou transando na sauna. Não reclamou na recepção, só a vi no café da manhã do dia seguinte e ela não olhou nos meus olhos. Parecia ter vergonha da nossa não vergonha.

Os dois, o barba ruiva e o costas largas, já tinham partido. Nunca recebi as fotos que ficaram de enviar, nunca mais falei com eles. E mesmo casada e com filhos continuo esperando que voltem.

Afinal, temos um novo chalé.

*

Renan Flumian nasceu em 1986. Diante da dificuldade de se definir em linhas curtas, prefere se apresentar pelo epíteto ativista das emoções. O conto em questão faz parte do seu atual projeto literário, um livro de contos eróticos que reúne relatos em primeira pessoa de acontecimentos marcantes e onde o sexo é o personagem principal. A estrutura privilegia uma leitura fluída e visa celebrar os mais diversos enfoques eróticos, colocando o tesão como um elemento unificador da natureza humana. Reconhecer o outro como humano pelo sentimento de desejo que carrega e assemelha todos nós, mesmo que os gatilhos sejam diferentes. Esse impulso e interesse do autor pelo mundo erótico é antigo, porém o ímpeto foi renovado pelos recentes acontecimentos que abundaram pelo país sob o patrocínio de grupos organizados que usam o olhar moralista sobre o sexo para ganhar espaço político e aprisionar ainda mais as pessoas fora delas mesmo

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