* Por Viviane Ka *

O título Um nazista em Copacabana, segundo livro de Ubiratan Muarrek, pode dar uma impressão errada sobre o assunto do romance. O livro não é sobre nazismo nem é história do Brasil. O autor não se preocupa com fidedignidades, afinal é ficção e ficção é liberdade. Também não se passa em Copacabana, mas em um Brasil mítico, solar. O Rio de Janeiro é o cenário perfeito para o abrir das cortinas da narrativa dividida em três partes, como se fosse um programa de teatro ou uma ópera bufa.

O autor desenvolve um microcosmo de personagens femininos que dominam a primeira parte, “Rio de Janeiro”, com magnetismo.  Inicia-se com Iracema cantarolando um funk popular, janelas escancaradas para o Cristo Redentor como testemunha, muito animada e ativa. Tarde da noite, está vendo televisão em volume altíssimo cercada de latinhas vazias de cerveja, habitando a ausência de seu falecido marido Otto Funk.

É disso que o livro se trata: da ausência e presença. Existe uma identidade brasileira mas a falta permeia todos os personagens. Uma ausência patética, uma falta de sentido de viver que faz todos se comportarem de um jeito carente, provocando situações hilárias.

Circe, a vizinha de Iracema, de vida tão estreita, tem seu cotidiano abalado e tomado pela grande baleia prenha que veio habitar o andar de cima em busca de abrigo: é Diana, a filha silenciosa de Iracema e Otto que fica o tempo todo deitada e que não cria vínculos com ninguém, apesar de todos orbitarem ao seu redor.

Uma criatura enigmática, sempre em fuga e grávida do bebê do farsesco e limitado Delúbio, que tenta ganhar dinheiro fácil e conduz a segunda do livro parte em São Bernardo.

Uma alusão ao local que já cria associações políticas, mas desconstruídas de modo hábil e engraçado. Não existe nenhum partido.  Os personagens masculinos vão tomando seu lugar devagar e com esmero, comportando-se e dialogando com sua ética própria. Os bastidores do poder não estão revelados nos gabinetes ou comitês mas em um jantar num apartamento ostentação, um dos pontos altos do livro. Nesse momento, relações matrimoniais, inveja, ambição, maledicência, tudo é iluminado pelos mil espelhos que recepcionam os convidados.

O autor não perde as rédeas do fluxo narrativo, tem domínio da estrutura, é um bom observador das emoções e dos detalhes que provocam os mais prosaicos pensamentos no meio da ação. Ele consegue juntar tudo isso muito bem. Muitas vezes, soa como Nelson Rodrigues, em suas obsessões e no olhar abissal que estende sobre os clichês de uma parcela da sociedade brasileira, encantada com prédios equipados com elevadores de alta geração e jantares escandinavos de graça.

A descrição que Ubiratan faz do Brasil é colorida, cheia de ritmo, carregada de heranças, não tem tempo nem espaço, pode ir e voltar no batuque dos acontecimentos a serviço da história. Que afinal é uma história de amor, como a terceira parte “Minas” revela. Um nazista em Copacabana é um livro original, caprichado e muito divertido.

Um nazista em Copacabana, de Ubiratan Muarrek (Rocco, 352 págs.)

Avaliação: pena-01pena-01pena-01 (ótimo)

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Viviane Ka é escritora, roteirista de cinema e diretora da São Paulo Review

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