
“Rabada” (Editora Patuá), novo livro de Alessandro Araújo, reúne contos que nos fazem refletir sobre a fragilidade das estruturas sociais e a linha tênue que separa os ‘cidadãos de bem’ dos marginalizados.
Ao explorar o impacto do capitalismo e a ausência de um governo eficaz, os textos nos convidam a questionar a noção de cidadania e a reconhecer as vozes dos que foram deixados para trás.
Com temas que tratam da violência na periferia, da realidade do proletariado
e do morador de rua, de relações e até de uma realidade fantástica, como no conto
que dá título ao livro, a publicação revela o ponto de vista dos excluídos. São as
crianças que sobrevivem, ou não, a tiroteios durante o horário de aula, o motoboy
que é humilhado porque não entrega a encomenda na porta do apartamento, uma
história de desigualdades expostas durante um assalto num bar do Centro ou a
vontade de comer um prato exótico, a rabada, mas com ingredientes inusitados.
Como bem adianta o especialista em escrita Aquino, a obra traz a
‘perspectiva dos desvalidos’. “O pano de fundo é sempre a metrópole paulistana,
cenário frio e impessoal que a todos seduz e termina por devorar. Nessa geografia
hostil, transitam os personagens de Alessandro Araujo, pobres criaturas que
sobrevivem por teimosia, sempre buscando as oportunidades que parecem brotar
em cada esquina da cidade. Vidas em queda-livre e em completo desengano: o
sonho nunca é para todos”.
Morador do Centro da cidade há 15 anos, Araujo passou grande parte da
vida no Capão Redondo, um dos bairros mais populosos da Zona Sul de São Paulo
e cenário de uma das histórias. Segundo o autor, o livro emerge de uma profunda
observação da vida urbana e das vivências que teve na sua trajetória. Inspirado
pelas complexidades e contradições das grandes cidades, ele constrói narrativas de
linguagem popular e acessível, que são ao mesmo tempo cruas e poéticas,
oferecendo uma visão inquietante, mas necessária, da realidade.
“Não queria que fosse mais um livro com a ótica da classe média branca.
Cresci no Capão Redondo. Sou filho de migrantes pernambucanos que fugiram da
seca. Quis usar minha bagagem e apontar criativamente sobre essas experiências”,
afirma. O autor coloca sua publicação num lugar de crítica social, lembrando textos
de Rubem Fonseca, Paulo Lins e do próprio Aquino, que assina o prefácio.
A ideia, finaliza o autor, é causar reflexão, doa a quem doer. “Não é um tipo
de texto que o leitor vá se sentir confortável”. Não mesmo. Em um dos trechos, ao
mesmo tempo em que conta uma história de desigualdades, afirma que “São Paulo
é a cidade de todos. De todas as bocas. São Paulo tem atitude.” Será? É só ler e
tirar as próprias conclusões.
Alessandro Araujo é filho de pernambucanos, cresceu no Capão Redondo e mora
no Centro de São Paulo há 15 anos. Os lugares por onde passou costumam estar
presentes nos seus contos, que fogem da autoficção, mas encontram realidades
presentes no cotidiano da metrópole. Autor de Pro Santo e Outras Perdições (Ed.
Torre, 2012), Longe de Todas Aquelas Nuvens (Ed. Folhas de Relva, 2020), é
graduado em marketing e pós-graduado em língua portuguesa e literatura, ambos
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Trabalha com criação e design em
agências de publicidade e comunicação, e já teve textos publicados nas revistas
Cult, Caros Amigos, no jornal Rascunho, Relevo, Diário de S. Paulo e em
coletâneas, como a Realidades Estilhaçadas (Ed. Mondru, 2023).