Por Jonathan Conlin *

Foi uma iniciativa privada, e não o governo central, que trouxe um novo espaço urbano para Londres. O cemitério Kensal Green foi instituído pela GCC (já mencionada neste capítulo), uma sociedade anônima que até hoje o dirige. A GCC era fruto da imaginação do advogado George Frederick Carden. Entre os outros diretores, estavam o Membro do Parlamento (MP) e tipógrafo Andrew Spottiswoode, o banqueiro Sir John Dean Paul, assim como Augustus Charles Pugin. Carten havia visitado o Père Lachaise em 1821, onde se inspirou a criar algo semelhante em Londres. Após várias tentativas que não foram adiante, um prospecto da companhia foi impresso em maio de 1830. Com o incentivo de líderes políticos como o Whig [membro do partido britânico que mais tarde se tornaria o Partido Liberal] marquês de Lansdowne, ações no valor de £ 25, cada uma, foram vendidas, o terreno foi comprado e a competição arquitetônica foi anunciada, solicitando projetos para portões, pavilhões e capelas.

A superlotação de cemitérios estava se agravando rapidamente. A população de Londres cresceu aproximadamente 50 por cento entre 1801 e 1821, enquanto o espaço para acomodar os mortos praticamente não cresceu nada. As câmaras funerárias no interior das igrejas estavam cheias, e o solo dos espaços de sepultamento em seu exterior abrigava tantos corpos que estava alguns metros acima do nível das calçadas que o cercavam. Ainda assim, nas primeiras tentativas de Carden de concretizar seu projeto, em 1825, ele se deparou com a incredulidade de quem chegava a pensar que ele não estava falando sério. Naquele ano, Carden havia estabelecido a General Burial Grounds Association [Associação Geral de Cemitérios, em tradução livre] e publicado um prospecto; planejava arrecadar £ 300 mil em ações de £ 50 e usar esse dinheiro para criar um cemitério no estilo parisiense em Primrose Hill, no norte de Londres.

Porém, o financiamento desejado e o preço individual das ações se mostraram excessivamente ambiciosos e pareceram investimentos bastante imprudentes, em consequência da crise bancária de 1825. Mas o fracasso dessas primeiras tentativas foi também devido a um sentimento de que tratar a morte comercialmente era muito desagradável; algo como se o setor monetário do governo estivesse invadindo uma área muito delicada. A crise de 1825 havia provocado a rápida deflação de uma bolha especulativa, marcada pelo ceticismo em relação à mania de grandeza característica dos prospectos de companhias no início da década. É bem provável que o futuro romancista e político do Partido Conservador que se tornaria primeiro-ministro, Benjamin Disraeli, tenha adquirido muita experiência escrevendo esses prospectos.

A primeira tentativa de Carden foi satirizada por outro prospecto, criado por uma companhia rival, de nome “Life, Death, Burial and Resurrection” [Vida, morte, sepultamento e ressurreição]. Escrito em dísticos e atribuído a “Bernard Blackmantle, 23 o prospecto buscava investidores para um milhão de ações (£1 cada) de um empreendimento que iria, conforme prometido, substituir cemitérios repugnantemente fétidos por idílio atraente e até mesmo aconchegante:

We’ve a scheme that shall mingle the “grave with the gay”,

And make it quite pleasant to die, when you may.

First, then, we propose with the graces of art,

Like our Parisian friends, to make ev’ry tomb smart.24

O prospecto prometia trocar o sermão fúnebre por canções alegres e construir um hotel suntuoso, no qual os enlutados poderiam apreciar boa comida (ingerida com a ajuda de vin de grave) e dançar, duas vezes por semana, ao som valsas e quadrilhas tocadas por uma banda. E terminava com a afirmação absurda de que também pretendiam trazer de volta os que haviam morrido há muito tempo:

That is, if the shares in our company rise,

If not ‘tis a bubble, like others, of lies.

*

O trecho acima, sobre cemitérios londrinos inspirados nos parisienses, faz parte do livro História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna, do historiador inglês Jonathan Conlin [editora Autêntica, 288 páginas]. Nesta obra, o autor mostra como Londres e Paris sempre mantiveram fascinação mútua, examinando e comparando seis espaços urbanos – o lar, a rua, o restaurante, o music hall, o submundo noturno e o cemitério.

Tradução: Márcia Guimarães

Foto ilustrativa: Cemitério Père Lachaise, em Paris

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