Adeus ao Patuscada

* Por Leonardo Almeida Filho *

Lugares há que, quando se acabam, deixam aquela sensação terrível de perda irreparável. Lamenta-se. Geralmente são locais de afeto e de prazer, onde o que se oferece é a celebração da vida, do encontro, do sorriso. Penso especialmente no Patuscada, em São Paulo, mais que um bar, um local de bons e inesquecíveis encontros, e que está ameaçado de fechar as suas portas e, com elas, todos os momentos bons que nos propiciou.

A primeira e única vez em que por lá estive, há dois anos para, comemorando o aniversário da editora Patuá, o lançamento de diversos livros da casa – o meu livro entre eles, o que me chamou a atenção foi o público, a beleza daquele bando de amantes da literatura e das artes, essa seita rara nesses tempos de escuridão que atravessamos. Pareceu-me, então, estar numa espécie de confraria, onde os participantes celebravam a poesia, a prosa, a amizade, a arte, a alegria de viver, numa aglomeração saudável provocada pela figura generosa e quixotesca do editor e, por que não dizer, barista, caixa, garçom, mestre de cerimônias, Eduardo Lacerda.

Em seus desníveis, refiro-me aqui às escadas e aos degraus que compõe a arquitetura irregular do imóvel, o passo sempre atento para o abraço, o autógrafo no livro novo cheirando à descobertas, o bom papo com os ótimos escritores que por lá estavam para lançar seus livros ou prestigiar o lançamento de outros ótimos escritores. O Patuscada consolidou-se nesses anos como local de lançamento de livros, saraus, festas, ajuntamento cultural, ou simplesmente para se apreciar uma gelada com amigos. Centenas de escritores e milhares de leitores têm, com certeza, em seus celulares, imagens de alegria e festa registradas nas dependências do Patuscada. Disso não tenho dúvidas. Uma pena que esse espaço, tocado no peito e na raça pelo Eduardo Lacerda, pela incansável Pricila Gunutzmann e auxiliares, encontre laconicamente o seu fim e torne-se apenas lembrança em fotografias que exibem sorrisos largos e esperança.

Em tempos de pandemia, vedada a aglomeração, o bar sofreu, como todos os outros estabelecimentos do gênero, os efeitos do isolamento social imposto e auto-imposto às pessoas que o frequentavam. Entende-se, portanto, a dificuldade encontrada pelo Eduardo, nesse cenário distópico, para manter o espaço, tendo em vista os custos envolvidos (e não são poucos) e a ausência de qualquer retorno que viabilize a sua manutenção. O capital e a insurgência de um vírus terrível destruindo coisas belas.

O Patuscada, em tempos pré-pandêmicos, era o local onde esses preciosos artefatos, os livros, ganhavam o mundo, em lançamentos festivos, cercados pela atenção sempre generosa do seu editor, que se dividia entre o bar e às mesas onde ocorriam os lançamentos. Lembro do Eduardo capitaneando o balcão do bar, atendendo os pedidos dos convidados, dos clientes; cuidando do caixa, recebendo pagamentos, fechando as contas. Um trabalhão enorme que ele cumpria com alegria, afinal de contas, todos ali, no Patuscada, estavam unidos num só objetivo: celebrar a arte e a amizade.

Num país como o nosso, onde a cultura é vista como coisa de esquerdista, artigo de luxo, tudo é sempre muito batalhado, suado, ralação tremenda, quando se fala em edição de livros e produção cultural. A Editora Patuá tem se firmado heroicamente no mercado editorial como uma pequena editora que, publicando autores iniciantes ou não, de todo o país, tem alcançado certa projeção pela qualidade de sua produção que tem, nos prêmios literários que seus autores têm conquistado, muito do capricho e do comprometimento que lhes caracteriza. A identidade visual de seus livros denuncia a preocupação com a qualidade gráfica, o que valoriza o conteúdo excelente dos textos impressos. Editora e Bar, durante esse tempo, fizeram uma parceria de sucesso e quase óbvia, edita-se e comemora-se a edição. Bons tempos, hein?

Lugares há que, quando se acabam, deixam aquela sensação terrível de perda, e é o que a gente anda sentindo diante da possibilidade concreta do adeus ao Patuscada.

 

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Leonardo Almeida Filho (Campina Grande, PB) é professor universitário, escritor, músico, artista plástico e reside em Brasília desde 1962. Mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília (2002), publicou Graciliano Ramos e o mundo interior: o desvão imenso do espírito (EdUnB), 2008, O livro de Loraine (Edição do Autor, romance, 1998), logomaquia: um manefasto (híbrido, 2008); Nebulosa fauna & outras histórias perversas (e-galaxia, contos, 2014), Babelical (poemas, Editora Patuá, 2018), Nessa boca que te beija (romance, Editora Patuá, 2019) e Grande Mar Oceano (romance, Editora Gato Bravo/Portugal, 2019 – Editora Jaguatirica, Rio de Janeiro, 2019), Tutano (poesia, Editora Patuá, 2020), além de contos, crônicas e poemas em revistas e jornais.

 

 

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