* Por Ronaldo Cagiano *

 

Meus poemas são todos poemas de circunstâncias. Inspiram-se na realidade, sobre ela se fundam e repousam. Nada tenho que fazer com poemas

 que não se baseiam em nada.

Goethe

              Grão, Gota (Ed. Folhas de Relva, SP, 2020) inaugura a trajetória literária de Eduardo Rezende Pereira, jovem escritor nascido em Espírito Santo do Pinhal, formado em jornalismo e ciências sociais pela UFSCAR, com uma segurança e maturidade criativas raras num estreante.

Poesia de imersão e viés reflexivo, esse conjunto revela um autor extremamente vinculado ao exercício de um olhar crítico, sem perder a conexão com uma pulsão lírica, mas com o devido distanciamento da exacerbação do eu, uma vez que as inquietações íntimas são revisitadas com economia de recursos, sem os apelos do sentimentalismo vão.

Escritura que busca um mapeamento de questões e temas que percorrem o ser e o tempo desde a nossa mais remota ancestralidade, a poesia de Eduardo Rezende flerta com aquela mesma universalidade encontrada nas artes de Drummond e Bandeira, em que os nossos becos geográficos e psicológicos e “o tempo presente/ os homens presentes/ a vida presente” interessam ao autor como repositório de uma inquietação e perplexidade individual que, no fundo, é uma projeção do desconforto que contamina a vida social.

Essa apreensão da realidade quotidiana, o mergulho no passado ou nas mitologias pessoais, encarnando um certo inconsciente pessoal e/ou coletivo de sua vivência no interior dialoga com o sentimento do mundo, “daquilo que pulsa” bem “do fundo do estômago” e agita o olhar para decodificar nossos dilemas, ambiguidades e contradições.

O livro abre-se sintomaticamente com “Minha poesia”, versos que explicitam a genética de todo o volume para declarar-se como poética especular do universo e da raízes (repletos de uma memória nostálgica, mas não piegas) que cercam o autor – “gente, tempo e geografia” –, em que tudo (da vida interior à territorial, visível e tangível), tudo é matéria, tudo é circunstância, nada escapa ao seu radar, tudo merece registro – “grafias, arranhões, texturas,/ teimosias humanas, naturezas e folhas”­,  na direção de um resgate ou de uma catarse.

A palavra poética (enriquecida pela intertextualidade e metalinguagem) de Grão, Gota, como metaforiza o próprio título, constitui-se por partículas que, homeopaticamente, vão sendo administradas para culminar num efeito plástico e eficiente, em que as mínimas porções estéticas são capazes e produzir uma narrativa que deambula pelos signos e expansões oníricas da própria linguagem.

Num cenário editorial cada vez mais fetichizado pelo deus mercado, que incensa mediocridades e ergue altares ao lixo, reverberando sempre o mais do mesmo, eis um poeta em que devemos prestar atenção, não como uma promessa, mas uma realidade expressiva que particulariza uma voz plenamente articulada com as demandas e passivos contemporâneos e consciente de sua potência comunicativa.

*

capa_Edu

grão, gota, de Eduardo Rezende Pereira (Folhas de Relva Edições, 112 págs.)

Para comprar, clique aqui: https://www.editorafolhasderelva.com.br/grao-gota

*

Ronaldo Cagiano é escritor e crítico literário, vive em Lisboa.

 

Tags: ,