* Por Viviane Ka *

Livros nunca serão obsoletos. Enquanto houver ser humano sobre a face da terra, ele dirá: minha vida daria um livro. Desde o político mais piegas até o poeta mais hermético, escrever a própria saga e vê-la publicada é um fetiche. Mesmo em tempos que ser um Youtuber de sucesso é a aspiração de toda uma nova geração, o livro é a materialização do interior e da subjetividade, que um vídeo não consegue captar.

A imagem que as pessoas apresentam muitas vezes não traduzem a verdade de suas emoções. Por isso, muitas atrizes pornôs, brilhantes e sorridentes nas telas, gozando sem parar, partiram para a escrita para revelar sua verdadeira intimidade. É a maneira de eternizar um orgasmo, de ir além de um click.

Se existe qualidade literária ou não nesses livros, pouco importa. Uma história de vida com drama, sexo, drogas será contada.

Linda Lovelace, a moça que inaugurou a era do boquete profundo em 1972 e que estrelou o filme mais rentável da história do cinema pornô, Garganta profunda, esteve apenas por 17 dias na indústria pornográfica e se tornou uma lenda. Sua habilidade oral grudou em sua imagem, ela nunca mais conseguiu ser vista por outra coisa. Tal como o ator Mário Gomes e a história da cenoura que ele supostamente teria colocado ânus adentro. Ninguém fala seu nome sem dar um sorrisinho e relembrar o caso da cenoura. Lovelace escreveu o livro Ordeal (Kensington Books, 1980), em que conta como foi abusada pelo marido e pelos produtores da indústria de entretenimento adulto. Com seu livro em mãos, pode fazer palestras pelo mundo, defendendo o direito das mulheres contra a violência doméstica.

A amada dos nerds, Sasha Grey (foto), arrasta multidões para suas noites de autógrafos. Todos querem ver de perto a linda atriz que se propôs a testar seus limites pessoais atuando no pornô e desafiando os estereótipos do gênero ao falar abertamente sobre sexo na internet. Seu projeto pós-pornô é o livro de fotos Neü sex, uma narrativa visual sobre sua sexualidade, identidade, liberdade e o romance Juliette society (Editora Leya, 2013), a história de uma estudante que se envolve em um clube secreto.

Sasha é uma intelectual e leitora voraz que sabe valorizar a autofabulação.

Traci Lords, a musa do cineasta John Waters , de Pink flamingos e Cry baby, estrelado por Johnny Depp, começou a carreira como atriz pornô antes de completar dezoito anos. Escreveu o livro Underneath It all (Harpers Collins, 2003), uma autobiografia de sucesso, em que relata como superou seu vício em cocaína e sexo e tornou-se cantora e atriz cult . Hoje luta pelos direitos homossexuais e prepara um novo livro.

O livro escrito pela atriz Devyn Devine chamado Born again to porn again é a história de uma mulher viciada em sexo que encontra Deus, mas é rejeitada pela igreja católica e nasce de novo como uma porn star. Sua premissa tem a intenção de criticar a sociedade preconceituosa, que assiste seus filmes mas não a aceita na comunidade. Sem um livro, como ela faria isso?

Sempre houve preconceitos ligados ao sexo. Mas sexo vende. Bruna Surfistinha vendeu 300 mil exemplares de O doce veneno do escorpião (Panda Books, 2005). Fez sucesso em seu blog dando notas ao desempenho sexual dos clientes, mas nada que lhe rendesse tanto quanto seus direitos autorais.

Gabriela N. Silva ou Lola Benvenutti , formada em  letras pela UfsCar, admiradora de Guimarães Rosa, escreveu o livro O prazer é todo nosso (Editora Mosarte, 2014), com linguagem caprichada na intenção de quebrar tabus, incentivar a liberdade, a descoberta da própria sexualidade e conclamando mulheres a descobrirem seus corpos e prazer. Agora faz mestrado em Educação Sexual na Unesp e prepara um novo livro.

Nem sempre ter uma boa história de vida para contar rende um bom livro. Nem satisfaz os punheteiros de plantão. Quem busca erotismo nesses livros geralmente se frustra. As memórias das porn stars são cheias de sofrimento e superação, geralmente escritas em estilo confessional, mas com linguagem pobre.

Na contramão do churrasquinho de mãe, Diablo Cody, roteirista de sucesso pelo filme “Juno” e “Garota infernal”, com a deusa Megan Fox no papel de uma estudante endiabrada, escreveu o livro Minha vida de stripper ( Editora Nova Fronteira, 2008) provável bioficção sobre uma nerd que faz strip-tease. O texto é ótimo, divertido, sem dramas.

Anne Sexton, poeta americana dos anos 1960, também abordou de uma maneira visceral a sexualidade feminina, mas foi considerada louca por falar em menstruação, aborto e masturbação. Essas coisas sujas de mulher. Foi uma feiticeira solitária queimada na fogueira da medicação psiquiátrica. Acabou se suicidando. Literatura erótica ou neurótica?

Quem quiser erotismo escrito por mulheres encontra em Histoire d’O de Pauline Réage, livro escrito em 1954, um enredo surpreendente que deixa Cinquenta tons de cinza no chinelo. A heroína “O” é marcada a ferro, é submetida por sua própria vontade e consentimento, a uma variedade de práticas sexuais sadomasoquistas.

Literatura erótica escrita por mulheres e para mulheres sempre teve um tom adocicado e romântico como se poder ver no sucesso de várias auto-publicações na seção hot do aplicativo Wattpad, agora já quase desativado. Ou os romances água com açúcar escritos por Sylvia Day. Nesse tipo de livro não é preciso ter grande experiência sexual – nem literária.

Rompendo essa vertente, está a escritora paulista Juliana Frank com seu livro de contos Quenga de plástico (Editora 7Letras, 2011), que narra as peripécias sexuais de Leysla Kedman, uma ex-atriz pornô metida a filósofa. As histórias envolvem situações sexuais violentas, nonsense e escatologia. Ao contrário das atrizes pornôs que viraram escritoras, Juliana já foi confundida com prostituta.

Mas fantasia mesmo é ver a intimidade nada fugaz da alma de uma mulher exposta na vitrine de uma livraria. Livros são prazer.

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Viviane Ka é escritora, roteirista de cinema e diretora da São Paulo Review

 

 

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