Lídia Baís é um dos nomes mais conhecidos e controversos do cenário artístico. Nunca ouviu falar dela? Bom, então talvez você ainda não tenha passado pela capital de Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, a artista, nascida em 1900, no berço de uma das famílias mais abastadas da cidade, divide opiniões. Alguns acham que ela era uma pintora genial, outros que não passava de uma pessoa excêntrica demais para a época, mas a verdade é que mesmo cá para essas bandas essa figura  singular passou despercebida para muita gente, ainda que fosse dona da icônica frase “Por minha causa, vocês ficarão na história”.

Mais que uma profecia, a frase selou o destino de Lídia que, hoje, 35 anos após sua morte, continua tendo suas pinturas e, principalmente, suas histórias sendo revisitadas por novas gerações de pessoas encantadas com seu comportamento transgressor, ousado e muito à frente do seu tempo. Ela ainda é figurinha carimbada nos círculos e movimentos culturais da cidade. É nome de museu, de coletivos locais e inspiração para muitos movimentos artísticos. E, para que mais pessoas pudessem conhecer melhor a peculiar vida de Lídia, o experiente artista visual, escritor e muralista Fabio Quill jogou-se em um novo projeto, o livro A Casa Baís. Paulistano criado na Zona Leste de  São Paulo, desde 2017 ele mora em Campo Grande. Tempo suficiente para ser tomado pelos mistérios de Lídia e da residência onde ela vivia com sua família no início do século XX. O sobrado, o primeiro prédio de alvenaria da cidade, viveu momentos de esplendor e riqueza, mas também de profunda decadência, passando por incêndios, invasões e abandono. Hoje é mantido pelo SESC e é um dos principais prédios culturais da cidade.

A Frida do Centro-Oeste

O interesse pela história de Lídia surgiu logo que Fabio chegou à cidade. Ao visitar o Museu Lídia Baís, no antigo casarão que outrora serviu de morada à Família Baís, ele ficou impressionado. “Fui ao México em 2012, onde visitei o Museu da Frida Kahlo. As semelhanças entre as duas artistas são notáveis! Além de terem suas residências transformadas em museus, há ainda muita similaridade entre as duas: as personalidades transgressoras, a religiosidade, o afrontamento ao status quo da época, as pinturas polêmicas, a aversão às regras e costumes. Foi impossível não questionar como até então eu nunca tinha ouvido falar da história de Lídia, uma mulher tão forte. Isso ficou remoendo em mim durante uns três anos até que eu decidi contar sua história”, revela.

Cercada de mistérios, proibições e busca por emancipação, Lídia teve sua história obscurecida, em parte pelo patriarcado, mais rígido em seu tempo, e pela localização geográfica com as peculiaridades de um Centro-Oeste que não acompanhava o modernismo que surgia e modificava a cultura de outros estados brasileiros. Sua vida e seus processos artísticos eram nutridos por paradoxos, cunhando assim obras como Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo em que a artista se retratou à direita de Cristo, e a inquietante Micróbio da Fuzarca, desafiando convenções que mesmo hoje seriam tabus. Sua trajetória foi marcada também pela música e pela filosofia. “Lídia segue sendo redescoberta, nutrindo paixões e curiosidades. Sua vida e sua obra ganham mais camadas e reverberam significativamente através do tempo”, pontua o artista.

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A Casa Baís foi escrita e ilustrada por Fabio Quill, em uma narrativa moderna e dinâmica em formato de história em quadrinhos. O livro trata da vida da artista e, sobretudo, sobre a casa em que Lídia viveu, onde tinha seu ateliê e concebeu as suas obras. Nem mesmo as paredes da Morada dos Baís saíram ilesas. A mulher pintou sobre elas imagens poderosas, tendo como figura central a si mesma.

O livro de Quill nasceu a partir de um extenso trabalho de pesquisa. Como principal inspiração, o autor escolheu a autobiografia de Lídia, escrita com um pseudônimo e em terceira pessoa, e os livros da pesquisadora Alda Maria e da historiadora Fernanda Reis. “Além disso, conversei com amigos que tinham histórias e até relatos sensoriais com a obra dela”, pontua.

A Casa Baís está em pré-venda pelo site https://www.catarse.me/acasabais, onde é possível encontrar ainda outras obras de Fabio Quill, como Janela da Alma, Onírica e Amálgama que rendeu ao artista a indicação ao Prêmio HQMIX em 2020, um dos mais importantes do quadrinho nacional, chegando a ser finalista. O livro é impresso colorido, tem 80 páginas e capa dura.

Um ponto positivo da obra de Quill é a preocupação com a inclusão de novos leitores. Por isso, professores e bibliotecas da rede pública de Mato Grosso do Sul foram contemplados e receberão gratuitamente exemplares de A Casa Baís. “Espero despertar o interesse sobre a vida e a obra de Lídia Baís e que todos saibam que, no Centro-Oeste brasileiro, mais precisamente em Campo Grande, existiu uma mulher incrível que merece ser reconhecida por sua vida e sua obra”, afirma.

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O paulistano Fábio Quill tem uma trajetória sólida como artista visual, autor de histórias em quadrinhos, muralista e arte-educador. Autor de obras como Janela da Alma, Onírica e Amálgama, foi finalista do Prêmio HQMIX em 2020, um dos mais importantes do quadrinho nacional. É possível acompanhar seu trabalho pelo Instagram www.instagram.com/fabioquill.

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A Casa Baís, de Fabiano Quill (Fundo Municipal de Investimentos Culturais – FMIC 2019 e Prefeitura Municipal de Campo Grande, 80 págs.)

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Na imagem destacada, obra de Lídia Baís.

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