* Por Paulo Ribeiro *

Pedro Juan Gutiérrez, que é o melhor escritor cubano surgido nos últimos tempos, fala muito de suas mulheres, reais, ficcionais, chega a dizer da importância do sexo em momentos de crise e depressão em sua vida.

Sua Trilogia Suja de Havana trata disso: com o boicote dos EUA, o fim dos “auxílios” da União Soviética, a partir dos anos 90, Cuba passa privações. Mais exatamente falta comida. Acostumados à vida digna, muitos emparafusam. Entre eles, Gutiérrez, que se refugia no álcool e no sexo. Muito sexo, com todo o tipo de mulher. Era a forma de enfrentar a crise, pois sequer tinha aspirinas para um tratamento generalizado.

Mas, embora num ambiente, assim, o sexo é tratado por Gutiérrez com a dignidade que o sexo merece. Daí talvez reprovar sua comparação com Genet e Henry Miller. O cara é menos, desses que comenta a sua iniciação, e nela está uma rebolativa morena que passava pelo menino vendendo gibis numa praia da Ilha. Rodava um chaveirinho, mas não importa, era o primeiro amor de sua vida.

A tradição de Gutiérrez, por isso não é Bukowski. Talvez, num ambiente mais refinado, Fitzgerald.

Momento de criação e depressão: sexo. Eis a motivação do cubano. E este também é o tema central de Suave é a Noite, de Fitzgerald. A novela retrata igualmente um momento de desespero, a crise dos anos 20, a derrocada econômica que abalou juízos e instituições. Apenas o prazer imediato: o amor reduzido à mera satisfação física. O moderno Fitzgerald trata disso a partir das “classes elevadas”. Notem, não estamos na decaída Cuba, mas os sintomas são os mesmos. Sua protagonista é uma jovem atriz de Hollywood, passando um verão na Riviera Francesa e a exercitar sua volubilidade.

Nesse ambiente “elevado”, de vaidade, sedução e pessoas ofendidas, Scott faz sua “ingênua” transitar por um esnobismo hesitante, pegando apenas o sentido geral das frases: “Onde o subconsciente supria o resto, a gente percebe tardiamente que um relógio começou a badalar, tendo nosso espírito registrado vagamente o ritmo das primeiras batidas contadas.”

O que quer dizer isso de palpável? Olhares oblíquos, olhares captados no ar por esposas que fazem não ver. Puro cinismo e ainda assim “a noite é suave ao sussurrar do Mediterrâneo”.

É sem dúvida um momento de “doença (econômica) e agonia dos sentimentos: Rose Hoyt quer “ficar” com o primeiro que lhe estenda a boia.

Fitzgerald, em Suave é a Noite, faz da sua Rose Hoyt assim trânsito para a sedução. Como Nicole Diver, ela é inconstante, são mulheres volúveis. Dignas, porém, vivem sufocadas entre o remorso e a afeição física. Há pouco de amor nisso e Fitzgerald mostra que é um mestre no relacionamento-pura-atração.

Embora a força de Nicole, prefiro a presença de Rose. Há uma cena dela saindo d’água que vale o livro: “depois do banho frio da tarde… suavemente o cabelo a emoldurava como um elmo, cascateando em ondas e cachos de um louro cinza dourado. Os olhos eram grandes, claros, úmidos e luminosos: o corado das faces era natural, trazido à superfície pelo fluxo de um coração jovem e vigoroso. O corpo ainda lembrava delicadamente o final da adolescência. Tinha perto de dezoito anos, estava quase formada, mas ainda conservava uma frescura de menina.”

Cascateando em cachos dourados, é muito bom! Mas há ainda um cara à espreita. Um calvo, de monóculo, o peito estufado e peludo, barriga encolhida, olhando-a atentamente. Quando Rosemary correspondeu ao olhar, tirou o monóculo. Que foi esconder-se entre os cômicos pelos e verteu num copo a garrafa que segurava na mão.

Grande Fitzgerald!

Notem que a jovem “correspondeu” ao olhar do coitado. Como, irrefreável, corresponderá a tantos outros. Contudo, há uma ética nestas relações. Sufocam-se, não avançam, há um remorso onipresente. Sobra sedução e “cachos em ondas louros” a promover a sensualidade. A fuxiqueira senhora McKisco deplora o que vê: o desejo passa suave no ar do Mediterrâneo. E, não esqueçamos, tudo isto numa atmosfera depressiva, que seria ainda maias abalada com a crise de 1929.

Fitzgerald, entre o remorso e o corpo que clama, ao introduzir aquela patética figura de monóculo e peito peludo olhando a adolescente (que no vulgo se chama “tarado”), mostra que cabe lugar ainda à piedade feminina. É terrível isso.

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Paulo Ribeiro é escritor, autor de Vitrola dos Ausentes (Ateliê Editorial), e publicará em breve uma coletânea de contos intitulada Bagorra

 

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