Holocausto, Auschwitz ou Shoah?

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A partir de hoje, a revista São Paulo Review publica, a cada 15 dias, série de textos de Jacques Fux sobre o holocausto.

Por Jacques Fux *

Em 20 de Janeiro de 1942 aconteceu a Conferência de Wannsee. Liderada por Reinhard Heydrich, e com a presença do alto escalão do partido nazista, entre eles Adolf Eichmann, os participantes resolveram exterminar onze milhões de pessoas. Essa resolução ficaria sendo conhecida como a “Solução Final da questão judaica europeia”.

Os eficientes burocratas, entretanto, ainda teriam que definir algumas regras e classificações de quem se enquadraria nessa condenação. Resolveu-se que quem possuísse ao menos um avô ou avó de origem judaica seria caçado e ‘removido’ para os Campos de Concentração e Extermínio. Mesmo aqueles que estavam completamente assimilados à cultura alemã e que não se sentiam mais judeus, por exemplo, se enquadrariam na classificação. Gershom Scholem, um dos maiores estudiosos do misticismo judaico, narrou a incredulidade de muitos judeus alemães que se sentiram ultrajados ao serem levados de suas casas pois se achavam mais ‘alemães’ que os próprios perpetradores. Foi neste momento que o judeu percebeu que, mesmo estando completamente assimilado a outra cultura ou crença, seria sempre visto como diferente e estrangeiro.

Os eventos seguintes a essa conferência, apesar das nossas reais limitações em entendê-los, produziram uma das maiores catástrofes (talvez a maior) que a humanidade já conheceu. Essa indústria ou máquina da morte, que resultou na quase total destruição dos judeus da Europa, posteriormente recebeu alguns nomes: Holocausto, Shoah, Auschwitz, entre outros.

Uma das primeiras pessoas a usar o termo Holocausto para designar o aniquilamento das comunidades europeias durante a Segunda Guerra foi o escritor e prêmio Nobel Elie Wiesel. Sobrevivente, Wiesel perseguiu durante toda sua vida (e ainda persegue) uma forma de tentar descrever as atrocidades desse período. “Guerra, tragédia, destruição: essas palavras não me convinham e eu procurava uma outra. Nesta  época, eu estudava o sacrifício de Isaac e encontrei no texto o termo holocausto, em hebraico “ola”, que significa oferenda pelo fogo. Ele ressoava com tonalidade diferente, implicava um aspecto místico”. Assim o escritor passou a usar o termo Holocausto durante um período de sua vida.

Posteriormente, o próprio escritor deixou de usar esse termo e preferiu criar outro: Événement ou Reino da Noite. Um estudo mais aprofundado sobre o termo revelou um sentido de ‘oferenda’ e de ‘sacrifício ritual’. Assim como, segundo a concepção católica, Cristo teria se sacrificado para expiar os pecados da humanidade, alguns estudiosos acreditam que o emprego conotativo do termo Holocausto poderia sugerir uma forma de sacrifício, de ‘dar-se em Holocausto’ para expiação de algum pecado, o que não poderia e deveria ser empregado neste caso.

O termo Shoah, encontrado no Deuteronômio, e que pode significar devastação, aniquilamento e destruição sem explicação, é o termo mais utilizado principalmente na França. A própria intraduzibilidade do termo Shoah ajudaria a tentar entender o que se passou durante a Solução Final. Um dos mais importantes filmes sobre o tema, produzido pelo diretor francês Claude Lazmann, leva o nome de Shoah, contribuindo para a difusão do termo.

A cidade de Oswiecim, na Polônia, conhecida como Auschwitz, abrigou a maior indústria da morte até então conhecida. O gigantesco complexo de Auschwitz abrigava, simplificadamente, um Campo de Prisioneiros (Auschwitz I), um Campo de Extermínio (Auschwitz II – Birkenau) e um Campo de Concentração (Auschwitz III), próximo às indústrias alemãs que utilizavam trabalho escravo, como a Siemens e a Krupp.

Talvez o Campo de Extermínio Treblinka tenha sido mais eficiente que o complexo de Auschwitz, se olharmos para os números e o tempo que ficou em funcionamento. Entretanto, houve uma fuga de alguns prisioneiros em Treblinka e os alemães resolveram destruir todas as evidências do lugar. O local hoje não possui quase nenhum registro do que aconteceu e sobreviventes que puderam testemunhar foram muito poucos. Auschwitz, por sua vez, pode ser visitado e a estrutura do campo ainda se encontra quase intacta. Além disso, muitos sobreviventes puderam dar seu testemunho.

Assim, portanto, talvez o melhor termo para tentar denominar os acontecimentos posteriores à Conferência de Wannsee seja Shoah. Holocausto, muitas vezes, pode adquirir uma conotação negativa ao entendê-lo como sacrifício. Auschwitz, por sua vez, nomeia somente um dos lugares, terrível, mas que não abarca toda complexidade da solução final. Shoah, difícil de escrever, difícil de traduzir, difícil de expressar, talvez represente esse murmúrio e lamento que infelizmente o mundo conheceu.

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Jacques Fux é vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2013 com o livro Antiterapias , além de vencedor do Prêmio CAPES de Melhor Tese de Letras/Linguística do Brasil em 2011.  É pesquisador visitante – Universidade de Harvard (2012-2014), pós-doutor em Teoria Literária – Unicamp e pós-doutorando em Literatura Comparada – UFMG