Literatura libidinosa de uma bailarina

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Da redação *

O romance em versos A Comédia de Alissia Bloom (editora Patuá), de Manoel Herzog, foi concebido diariamente, ao longo de 40 dias ininterruptos. Traz poemas publicados no Facebook, na conta de um perfil fictício da bailarina (e poeta) Alissia Bloom.

Filha de fazendeiro de Bebedouro (SP), Alissia perde o marido num acidente. Passado o tempo de recolhimento, a solitária moça inicia uma série de aventuras sexuais em busca de elevação espiritual.

Os versos acompanham a devassidão da personagem e são estruturados a partir da figura arquetípica da mulher pecadora que se arrepende e redime.

A obra tem inspiração na Divina Comédia, de Dante, não apenas pelo verso inicial (“No meio do caminho da minha vida”), ou por sua divisão em três cantos (“Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”), mas por pertencer ao gênero de comédia e, ainda, por se organizar segundo uma visão religiosa do mundo.

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A Comédia de Alissia Bloom (editora Patuá, 100 págs.), de Manoel Herzog

Lançamento no sábado (31), no bar Canto Madalena, em São Paulo, a partir das 19h

Leia a seguir algumas peças que compõe o livro:  

SONETO DA MOÇA FANTASMA DE BEBEDOURO
Eu vago as minhas noites pelo campo santo
À procura de Carlos, se ele ressuscita
Se sai da tumba e vem chupar minha priquita
Se vem lá do Hades pra me fazer gozar tanto

Até que eu fique troncha e esqueça da desdita
De ser uma pobre viúva com quebranto,
Mulher abandonada a chorar pelos cantos.
Mas o Carlos não vem. Um vestido de chita

Vejo contra o luar, portão do cemitério
Um vestido sem corpo, é a tal moça fantasma
Que assombra Bebedouro, horroroso mistério.

Eu sou morta feito ela, um espectro, ectoplasma,
Tarado a deflorou e a matou mulher feita.
Quisera eu seduzir um morto, mas me enjeita.

 VINGANÇA, VINGANÇA

Tá aqui meu alguidar e a farofa amarela
Galinha preta, dendê, palma, pé de bode, o
Que mais a senhora pedir, na mão, Vó Barbarella
Ah, e a foto de Carlos, o traíra, fode-o.

Pensar que eu já pus este pulha no meu pódio
Amarra o nome dele, Vó, também o dela,
Da vagabunda que o roubou de mim, ai que ódio,
Vózinha, lasca a vida deste zé-ruela.

Ele deve aprender que mulher feito Alissia
Fiel, bonita, culta, rica e inteligente,
Não é pra vagabundo vir, meter a piça,

Depois sair andando assim, impunemente.
Depois dessa aprendi, nunca mais me enrabicho
Sou mais eu, não achei a boceta no lixo.

O RETIRO DO MONGE
Faz muito tempo decidi-me por tonsura
Também por claustro e por pobreza e por silêncio
Recuso ao mundo fazer-se ouvir o que eu penso
Eu já não vou mais em barbeiro ou manicura

Pouco me importa acharem que eu perdi meu senso
Fechei pro mundo, esporei barriga da mula
Feliz de a Virgem ter-me imposto uma casula
Dentro da qual, diáfano, fujo do denso.

Que doces são, Senhor, no claustro, tuas cadenas
Mas nunca me furtei, Senhor, jovem, no mundo,
Impuseste a missão de vagar duras penas

Levando tua palavra ao vil, ao torpe, imundo,
Por tudo que é rincão pregar Teu Evangelho
Agora o galardão, deixa eu gozar, estou velho.