* Por Paulliny Gualberto Tort *

Esse não é um livro comum. Leu. Gamou. E não, não estamos falando de literatura embalada em Tetra Pak. Estamos tratando aqui de alta literatura, altíssima, feita das metáforas mais sofisticadas. Mas atenção: a personagem principal não se encontra nas páginas. O que importa, meu caro, é quem escreveu o livro. Quando você vir uma foto do nosso autor fumando de óculos escuros em uma varanda alta de um edifício cinza em São Paulo, não quererá outra coisa a não ser ler o seu último romance.

Desconfio que, para qualquer editora, não há nada como ter no catálogo um autor que desperte um interesse folclórico por sua personalidade. Gente interessante não passa despercebida e, para o bem ou para o mal, atrai potenciais leitores. É verdade que, no meio literário, ninguém quer ser a atriz famosa que sempre será olhada com desconfiança quando publicar um novo romance. Mas, se o autor-personagem apresentar certa plasticidade, as coisas fluem melhor. E aí valem tanto o exotismo da origem popular quanto o despojamento da burguesia esclarecida, desde que uma aura possa ser criada em torno do escritor; ele também é peça da mercadoria.

É claro que nada disso invalida os atributos de autores mais, digamos, fetichizados. Por exemplo: Maria Valéria Rezende é uma escritora que atrai inúmeros admiradores. Afinal, quem não gosta de uma freirinha progressista, não é? Ela tem um perfil ativo no Facebook e até já se viu em meio a um imbróglio daqueles que só acontecem na Internet. No entanto, o conjunto de sua obra tem se mostrado mais penetrante que seu desempenho de digital influencer. Maria Valéria não é nada menos que um grande nome de nossa literatura, independentemente do elã que provoque. A questão não é o magnetismo pessoal deste ou daquele autor, porque alguns serão mesmo mais encantadores que outros, mas a obrigação que de repente todos têm de parecerem interessantes.

Não basta escrever um livro único, é preciso ser um autor único. Foi-se o tempo em que escritores reclusos eram os mais respeitados. A reclusão, se houver, precisa ser meticulosamente calculada, performática. De resto, o que conta é sua disposição para enfrentar postagens regulares nas redes sociais, aparições na imprensa e participações em eventos literários (até porque estes ajudam a pagar as contas no fim do mês). Se você não fizer nada disso, o mais provável é que imerja no oceano de publicações que chegam às prateleiras todos os anos. E, a não ser que sua obra seja forte o bastante para dispensar apresentações, o que é muito raro, você estará fadado ao desaparecimento.

Soa um tanto cruel exigir de pessoas que escolheram o mais solitário dos ofícios que explorem suas habilidades sociais. Não que a vida pública seja um flagelo; há muito prazer em encontrar leitores, outros escritores e discutir sobre literatura. Mas, a partir do momento em que isso se torna um imperativo, parece que se arranca algo do prazer da escrita, que é justamente conceber algo que pode ser fruído sem a presença de seu criador. Mas, em tempos de Facebook, Instagram e Twitter, o escritor é a capa do livro. E, muitas vezes, o conjunto que ele forma com o conteúdo acaba como aquele suco que promete ser tudo de diferente não sendo nada além de um suco de caixinha.

O pior é que, apesar das vicissitudes da superexposição, você também vai embarcar nessa. Vai se manter nas redes sociais, se tornar colunista de alguma publicação relevante, ter amigos de influência no meio e, não custa nada, usar bons filtros nas suas fotos. Tudo para então se sentir patético pelo tempo que perde nesses esforços e que são minutos, horas, dias perdidos de escrita. Talvez esse sentimento acumulado culmine em um artigo que se pretenda sarcástico e que prove um fato desconcertante: você também não passa de um jovem cansado da mesmice.

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Paulliny Gualberto Tort é escritora brasiliense, autora de Allegro ma non tropo (editora Oito e meio). É apresentadora do programa de literatura Marca Página, da rádio EBC

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