Livro traz perfis literários de João Ubaldo, Lya Luft, Paul Auster e García Márquez

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O livro Perfis: o Mundo dos Outros, de Sergio Vilas-Boas, em edição revista e atualizada, reúne 22 perfis e um ensaio sobre o gênero perfil. Entre os retratados, estão Jayme Sirotsky (empresário), Mara Salles (chef do restaurante Tordesilhas), Jaqueline Ortolan (comandante de jatos da TAM), o ornitólogo Johan Dalgas Frisch, o ex-jogador Tostão e escritores, como João Ubaldo Ribeiro, Lya Luft, Gabriel García Márquez e Paul Auster.

As 22 narrativas se atêm ao que há de universal na experiência humana, mas também às idiossincrasias individuais, incluindo as do próprio autor. De leitura rica e agradável, o livro se destina aos estudantes de jornalismo e também aos interessados nos perfis apresentados.

“Meu trabalho é artesanal. Tudo para mostrar quem é a pessoa, sua personalidade e sua obra, verdadeiramente. Busco ouvir em momentos e ambientes diversos o protagonista e algumas pessoas próximas a ele/ela. E, quando julgo pertinente, revelo também as circunstâncias em que ocorreram os encontros”, detalha o jornalista, que estudou narrativas biográficas em seu mestrado e em seu doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP.

O primeiro desafio, diz o autor, é convencer o protagonista a ceder seu tempo e sua energia (física e mental) para fazer parte de um método mais demorado, diferente daquele empregado pelo jornalismo urgente. “Fugir da superficialidade para tornar a narração mais dinâmica e viva não é fácil, mas sou fascinado por indivíduos, mais do que por grupos, e compreender as trajetórias sempre singulares das pessoas é a minha maior motivação como autor”, acrescenta.

No final do livro, no ensaio intitulado “A arte do perfil”, o autor compartilha um pouco da história do próprio gênero perfil, sua evolução ao longo do século XX e sua ligação com a vertente do Jornalismo Literário. “Compilei nesse ensaio os meus estudos e as minhas experiências nos últimos 20 anos como escritor e professor”, conta. “Nem sempre é possível realizar tudo o que está indicado no ensaio, porque tanto o personagem quanto o processo de retratá-lo são irrepetíveis – aliás, criatividade e maleabilidade são fundamentais na construção de perfis jornalísticos.”

 Leia, abaixo, trecho inicial do perfil “O embaixador” sobre o presidente do Grupo RBS de mídia, Jayme Sirotsky, que integra a coletânea.

O embaixador

O bolso esquerdo da camisa tem um bordado com as iniciais de seu nome. As calças estão folgadas; o par de mocassins, macio e lustroso; a gravata, em casa. Tem pouco cabelo, mas o que tem pode ser repartido e, devido às emoções, uma franjinha desgrenhada surgiu. A turma estava à espera. Quando ele entrou, foi um Big Bang de alegria, uma festa cenográfica: balões, bandeirinhas, línguas de sogra, música ao vivo.

Os funcionários – funcionárias, melhor dizendo (as agitadas moças eram maioria absoluta) – haviam formado um extenso corredor de tietagem. Rodrigo, supervisor de vendas, pega o violão e, do fundo do peito, puxa as vozes para a canção “Toda forma de amor”, do Lulu Santos: E a gente vive junto/ E a gente se dá bem/ Não desejamos mal a quase ninguém/ E a gente vai à luta/ E conhece a dor/ Consideramos justa toda forma de amor.

O homenageado está à vontade. Leve e afável. Como se fosse a primeira vez. “Ah, a gente tem que vir aqui de vez em quando captar essa energia incrível”, ele me diz. “Esse pessoal é maravilhoso.” As moças literalmente o agarram, como se quisessem levar um pedaço dele para casa, para sempre, mas tudo o que conseguem são abraços, beijos e a dedicação total do homem para uma infinidade de fotografias. Pouco?

Elenice Franco, coordenadora do call center, adianta: “Vai ter que subir no queijinho pro discurso”. O queijinho é uma pequena mesa redonda e rasteira, sobre a qual estenderam uma toalha amarela. JS escala-a, meio sem jeito. Flashes espocam. O call center fica dentro de um shopping no centro de Porto Alegre. Nele trabalham, ao todo, mais de 600 pessoas divididas em dois turnos, atendendo a seis dos oito jornais do Grupo: Zero Hora, Diário de Santa Maria, Diário Catarinense, A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Pioneiro.

“Vocês sabem que eu entro aqui e me sinto em casa”, ele começa com um tom apenas 30 centímetros acima do chão. Agora são os olhos e os silêncios que o assediam. “Não podia terminar o ano sem vir aqui receber esse calor de vocês, que é revigorante, principalmente para um velhinho como eu. Zero Hora, por exemplo, está encerrando o ano com uma circulação recorde. Isso reflete a vontade do leitor de estar perto de nós. Beijo carinhoso a todos.”

Mas isso não é o fim de nada. A turma do call center continua disposta a devorar JS, o presidente emérito, gentil senhor de 77 anos (completados em outubro de 2011). Seu falecido amigo Lauro Schirmer produziu, em 2004, um livrinho intitulado Diplomata da comunicação, em comemoração aos 70 anos de JS. “O título é um exagero. Mas foi coisa dele, não minha.” A etiqueta de embaixador, no entanto, talvez grude melhor em Jayme Sirotsky hoje em dia, pois ele representa tanto quanto simboliza o Grupo RBS. Sua presença amplia os eventos sociais.

“Cá pra nós, se tu viras ‘presidente emérito’ é porque estás pendurando as chuteiras.” Faz alguns anos que começou a reduzir gradualmente a carga de trabalho. Ultimamente, tem ido à RBS somente à tarde e passa, em média, quatro meses por ano em sua casa em Boca Raton, na Gold Coast da Flórida. A Gold Coast, que, além de Boca Raton, abrange as cidades de Miami e Fort Lauderdale, é animada. No verão há espetáculos da Broadway, óperas e concertos.

“Bermudas o tempo todo, descontração e atividades culturais. Lá, vou mais ao cinema do que aqui em Porto Alegre; e as universidades de Boca Raton têm uma oferta interessantíssima de palestras e cursos. Costumo escolher alguns. Não muitos, porque adoro o meu dolce far niente.” Por outro lado, a casa de Boca Raton foi cenário de um acontecimento tristemente marcante. Marlene, esposa por mais de 50 anos, faleceu nela, em 2009, após uma parada cardíaca. O neto Serginho, filho do Sergio, estava com o avô.

“Ela era diabética. Nos últimos seis anos da vida, ela já não me acompanhava nas minhas viagens pelo mundo. Eu ia sozinho ou com alguns filhos e netos. Foi um período muito difícil, que só o tempo me ajudou a superar.” Hoje, sente-se bem consigo mesmo e, às vezes, acha bom ficar sozinho. “Mas não em caráter permanente.” O sobrinho Nelson Sirotsky, presidente da RBS, e seu amigo Oscar Bernardes se encontraram recentemente em Nova York e decidiram: “Precisamos arrumar uma namorada para o Jayme.”