cervelles fraîches

 

 miolos

comam miolos

fazem bem para a pele

fortalecem os ossos

 

refrescam as ideias

despertam os anticorpos

ajudam o mirrado artista

a melhorar seus esboços

 

brioches são para os fracos

pão para os ociosos

bananas para os macacos

chocolate para os dengosos

 

miolos: comam miolos

 

apreciados a colheradas

da cabeça dos mortos

são mais frescos

e saborosos

* * *

may or may not

 

I.

meus amigos têm tantas certezas

eles as destilam seriamente

entre risadas

 

enquanto isso

minhas mãos assombradas

deixam escapar enigmas

sem ver que talvez

saber seja superestimado

 

caçar aprendizados

e vê-los desmanchar

no próximo desvio

II.

num saquinho preto

de veludo barato

embalo uma dúvida

com afeto

 

é tudo que tenho –

embora não

veja nisso tanto apelo

 

queria mesmo era pegar o relativismo

pelas pernas e quebrar seus ossos

um a um

* * *

corpo pretérito (memento mori)

 

no século 16, a capela dos ossos foi construída por um franciscano

com os crânios de cinco mil monges, em évora, portugal

 

ali perto, em faros, outra pequena capela feita de ossos foi erguida em 1719

entre seus adornos, está um esqueleto revestido de ouro

 

a capela mortuária de eggenburg, na áustria, foi inaugurada no início do século 14

com os restos mortais de 5.800 pessoas

 

na república tcheca, em brno, o ossuário subterrâneo da igreja de são tiago

guarda 50 mil esqueletos e está aberto ao público desde 2012

 

os restos mortais de milhares de frades ficaram enterrados por trinta anos

antes de serem usados nas paredes da cripta dos capuchinhos, na itália

 

erguido com ossos dos mortos pela peste no século 14, o ossuário de sedlec

foi tema de um curta-metragem de jan svankmajer, em 1970

 

“nós ossos, que aqui estamos, pelos vossos esperamos”, diz a inscrição

na entrada da capela de évora

 

na alemanha, em augsburg, um relógio em que a Morte

marca a hora

*

Os poemas acima são do livro Miolos frescos [ed. Patuá], de Jeanne Callegari*; a obra será lançada no sábado, dia 8, na Feira Tijuana, em São Paulo

* Jeanne é poeta e jornalista. Nasceu em Uberaba, MG, em 1981. Também é autora de Caio Fernando Abreu: Inventário de um escritor irremediável (Seoman, 2008), biografia do autor gaúcho.

Serviço: Feira Tijuana, Casa do Povo, Rua Três Rios, 252, Bom Retiro, São Paulo, Sábado, 08/08, das 16h às 19h, Stand do Eduardo Nasi e da Balão Editorial

 

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