Por Daniel Navarro Sonim e Walter Farias*

Bastava os pacientes ouvirem as letras E, C e T para morrerem de medo. ECT é a sigla de eletroconvulsoterapia – ou simplesmente eletrochoque. Antes de entrar no Hospital, não podia imaginar que aqueles louquinhos de cabeças raspadas recebessem choque elétrico. Só quando participei da primeira sessão me dei conta da crueldade daquela prática.

Cerca de quarenta ou cinquenta pacientes eram submetidos ao tratamento em cada sessão. A aplicação do eletrochoque acontecia em um salão do andar térreo da Terceira Clínica. Pelo menos seis funcionários recebiam a convocação para dar conta de um paciente por vez. O primeiro colocava o louco deitado em um colchão, desamarrava ou desabotoava a calça do paciente e enfiava na boca dele um rolo de pano na horizontal. Essa técnica prevenia a quebra de dentes ou feridas no lábio, se o paciente fosse banguela. O pano também absorvia a saliva durante a sessão. O segundo funcionário ficava responsável por segurar a cabeça do paciente. O terceiro e o quarto imobilizavam o braço esquerdo e o braço direito, respectivamente, segurando os punhos do paciente com a mão ou simplesmente sentando sobre ele. O quinto se apoiava nas pernas para que os joelhos não se dobrassem.

Do lado de fora, os funcionários buscavam os pacientes da lista. Desconfiados ou já sabendo que receberiam o ECT, eram caçados dentro da clínica até serem conduzidos à sala onde acontecia a sessão. O próximo paciente entrava só depois de o anterior ter recebido o choque. Outros funcionários vigiavam os que já tinham recebido sua dose de eletricidade para ver como despertavam.

E ainda tinha o sexto funcionário, o responsável pela temida máquina do eletrochoque. Tratava-se de uma caixa de madeira rústica com aproximadamente trinta centímetros de comprimento por vinte centímetros de altura, conectada a uma tomada. Dela saía um par de fios de cobre de mais ou menos dois metros. Nas pontas de cada fio havia duas hastes metálicas encapadas medindo mais ou menos dez centímetros. E, na extremidade das hastes, duas esferas de cobre achatadas do tamanho do fundo de uma lata de cerveja serviam para conduzir a eletricidade a partir das têmporas do paciente.

O funcionário que aplicava o choque também trazia um pincel de barba e um copo com água. Antes de aplicá-lo, passava o pincel molhado nas têmporas do paciente. Em seguida, girava uma chave para ligar a máquina e esperava o ponteiro no mostrador girar até atingir o nível máximo de carga. Então, encostava as hastes metálicas nas têmporas umedecidas do paciente por alguns segundos.

A partir daí a eletricidade percorria o corpo pelos fios ligados na cabeça. As veias dos braços, mãos, pernas e pés inchavam, ficando muito avermelhadas. Estufado, o paciente estrebuchava freneticamente e se contorcia sem parar. Os funcionários tinham que segurá-lo com força para que a cabeça, os braços, costas e as pernas não batessem violentamente no chão. Eles diziam que a força do choque poderia torcer algum membro, causando lesões irreversíveis em músculos e nervos. Os funcionários então se esforçavam ao máximo para deixar o corpo do paciente o mais rígido possível, sem que envergasse. Sua boca se contraía e ele mordia o pano com força. Alguns perdiam o controle e se mijavam e se cagavam. De olhos fechados, babavam e gemiam. Após o término da sessão, dormiam profundamente. Os corpos permaneciam estirados no chão por alguns minutos.

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O trecho acima faz parte do livro O capa branca – De funcionário a paciente de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil (ed. Terceiro Nome, 192 págs.), do jornalista Daniel Navarro Sonim e do ex-atendente de enfermagem Walter Farias. O volume reúne memórias de Farias, antigo colaborador do Complexo Psiquiátrico do Juquery, em Franco da Rocha (SP), que se tornaria interno do lugar.

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