O leitor comum

* Por Tiago Germano *

Já se sabe que metade da literatura produzida vale menos que a pouca atenção que ela nos desperta. Também já se sabe que grande parte desta má literatura não se deve à imperícia dos escritores ou à negligência das editoras, mas à influência que exerce sobre eles uma entidade cada vez mais evocada ao passo que misteriosa: o leitor comum.

Não são muitos os que lograram conhecer este tal de leitor comum. Poucos foram os que, na verdade, chegaram a ver o seu rosto. Sente-se, porém, sua presença nas livrarias, nos botequins, nas filas dos supermercados. Creio que alguns tenham até seu endereço, mas só os que já o procuraram sabem dos perigos que a sua amizade oferece. As maiores atrocidade já foram cometidas em prol do leitor comum. Pensar nele, até mesmo projetá-lo, é tornar-se, também, um escritor comum. E um escritor pode se dar ao luxo de ser tudo, menos comum.

Ao que tudo indica, o leitor comum não gosta de ler. Encara o livro como um homem comum a sua própria vida: com a profundidade anódina de um dia de domingo. Enquanto um quer uma morte feliz, o outro clama por um final retumbante. Enquanto um contenta-se com a trama fácil, o outro prefere a sorte de um cotidiano sem surpresas. Ambos odeiam o velho, temem o novo, incomodam-se com o agora, trancam-se em quatro paredes gradeadas e dali não saem até que o mundo, também ele, transforme-se numa prisão segura, num lugar-comum.

De tão oculto, há os que suspeitem que o leitor comum esteja sendo subestimado. Talvez descanse agora em sua poltrona, alheio a toda a discussão, procurando um livro que valha a pena entre os dois ou três que comprou na última ida ao shopping. Talvez escolha um autor famoso, a julgar pela crítica que leu no caderno de cultura do jornal. Passa os olhos pelas primeiras páginas e, decepcionado, resolve ligar a televisão. Pobre leitor comum, agora espectador comum de algum programa de auditório. Desliga a televisão e lembra que, ontem mesmo, deixara pela metade a leitura de algum clássico de sua biblioteca.

Volta ansioso àquelas páginas e, finalmente, encontra uma literatura que não desdenha do seu repertório.

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Tiago Germano é escritor, e tem trabalhos publicados em diversas antologias. O texto acima está no recém-lançado Demônios domésticos (editora Le Chien, 124 págs.)

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