* Por Ricardo Pecego *

 Existe um Brasil das letras. Ele funciona muito bem para alguns poucos, razoavelmente para um grande grupo e é praticamente inerte para a esmagadora massa dos que se propõe a escrever. Como se fosse um Raio-X em menor escala da nossa própria sociedade, o Brasil das letras derrapa na subida, cata cavaco na descida e consegue trazer à tona, vez em quando, algum lampejo luminoso que parece estimular ainda mais a grande massa em tentar um espaço na prateleira de uma livraria, no destaque de um grande portal de vendas de livros ou mesmo na tentativa de vencer um prêmio importante com sua obra e assim sair das profundezas.

Nosso mercado editorial, ao qual não fazia parte até agosto deste ano, depende ainda bastante do governo e não consegue pressionar este num eficaz investimento educacional. Diferente dos lobistas dos agrotóxicos que convencem todos a comer veneno cada vez mais fresquinho, quem atua na intermediação dos livros e escritores, prefere compactuar coisas menores e garantir apenas que seus contratos sejam aprovados e pagos, sem a intenção de que a população tenha mais acesso ao que se produz nas letras brasileiras.

Ao começar a desvendar este Brasil das letras me deparei com gente talentosa, grande parte vinculada à academia e um grande número de iguais a mim, recém-chegados, sem muita noção dos papéis do editor, do agente, do crítico, dos influencers.

Parti então em jornada, dada uma dica do editor do meu livro, Caparaó, em fortalecer minha rede dentro desse meio. Passei a tentar alguma interação, comentando e compartilhando postagens e mandando, em alguns casos, mensagens para autores comentando textos de sua autoria. Tenho então conversado com muitas pessoas, mas recebido poucas respostas, parece que há uma barreira, um cuidado em se trocar duas palavras amigáveis; algumas vezes há trocas sobre este Brasil das letras.

É óbvio que nosso trabalho e atividades necessitam de concentração, de aplicação e um mínimo detalhe que passe despercebido pode parecer que dissemos o contrário de nossas reais intenções. Talvez por isso muitos fiquem reclusos. Contudo, acho prudente agirmos em função de um amplo crescimento de investimento no Brasil das letras. Vivemos todos um dos momentos mais difíceis de nossas existências, proponho então copiarmos o grande Manoel de Barros e encontrarmos meios para essas interações.

Temos que nos relacionar, conversar, incentivar espontaneamente todos que estão de alguma forma tentando propagar as letras, mesmo que não seja para publicar um livro, que seja um blog com textos sobre física quântica (procurem @saturnodepijamas), ou comentar os textos de um desconhecido companheiro de arte. Isso não requer a nós estrutura ou investimento que não seja no nosso ócio, o tempo que precisamos para respirar fora das nossas letras e nos encher de influências e conexões.

Também teremos que incluir em nossas agendas – para perdermos este ar de seita e ganharmos a dimensão que as letras brasileiras merecem – a atuação nas escolas. Afinal se cresce o número de pessoas escreventes, precisamos que o mercado se expanda para a formação de leitores.

Cumprindo então os requisitos do meu propósito de conexões, procurei duas figuras icônicas para mim nesta jornada de investigação dos meus pares e obtive rapidamente um retorno positivo em citá-los neste texto. Procurando trazer ao tema textos que eles mesmos produziram e que de certa forma dialogam comigo.

Clamo então a observarem o texto recente no facebook, quando a Ana Elisa Ribeiro (@anadigital) exalta as vencedoras do Nobel de química, compara a estrutura que lhes cerca na Holanda e sonha em ter algo similar para usufruto dela e de seus alunos na universidade. Ela demonstra em crise, a certa altura de seu quase desabafo, pois sabe que não há como acontecer uma mudança de paradigma tão drástica em um espaço de tempo médio, pelo menos no nosso país, apontando nosso conformismo com o abandono, com o descaso a que somos submetidos, fazendo até mesmo piada sobre tais mazelas que nos afetam diretamente.

O outro fio de raciocínio que pretendo inserir nesta trança de palavras foi escrito lá pelos idos de 2013, quando Luiz Ruffato (@luizruffato), em plena Feira de Frankfurt, expõe nosso paradoxal Brasil e a árdua missão de escrever para quem não lê. Ressalto este texto e sua atemporalidade, e o cito aqui em virtude da necessidade de dar força ao seu eco, que ressoa de maneira tímida, e não podemos deixar que desapareça.

Ambos demonstram as dificuldades, e acredito que se não dermos a devida atenção às conexões e a a ampliação dos investimentos da difusão do Brasil das letras, estamos fadados a uma continuidade que nos levará a sermos por alguns anos ainda premiados, por alguns anos ainda resenhados, por alguns anos ainda publicados até que não seja mais possível a propagação das letras, ou seja, nossa total extinção.

Devemos trilhar novos caminhos e interações para que o Brasil das letras cresça, se desenvolva plenamente, dê voz para quem começa, exalte aqueles que persistem e fazem uma literatura ampla, divertida, trágica, afiada, assustadora, criteriosa, investigativa, clássica ou formal. Aproveitemos das facilidades de conexão e tornemos menos predadora a competição entre nós.

Ao competirmos ampliamos a força do sistema econômico, que precisa disso para instituir dentro de um meio tão restrito e limitado como o nosso a impossibilidade da renovação. Devemos fortalecer e ampliar os mercados de forma não predatória, formar mais leitores que tenham acesso a um maior número de escritores para fazer a engrenagem girar para todos. Claro que iniciantes, assim como eu, precisam de uma trabalho talvez mais árduo, para integração no formato que está instituído e que é quase inviável.

Este sistema mina os campos humanos da seguinte forma: primeiro mantém os mais antigos que atuam com cada vez com menos eloquência e poderio transformador. Depois impossibilita que os novos tenham espaço ou fôlego para se manter. Assim a renovação se estingue.

Não adianta todos querermos uma resenha da revista 451, ou entrar no listão, ou ser colunista de grandes jornais e revistas, pois não haverá espaço, tampouco gente que possa ler tudo e qualificar tantos lançamentos. Lógico que precisamos ter vínculos, para garantir alguma forma de sobrevivência, mas temos que oferecer espaço, ampliar os diálogos e buscar nesse ócio nosso de cada dia, semana, mês dependendo de quão atribulada seja sua agenda, difundir parceiros da escrita, para forçar o crescimento do Brasil das letras e assim proporcionar alguma chance de futuro para este sofrido país.

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Ricardo Pecego  é produtor cultural há mais de 17 anos. Iniciou a escrever em 2005. Em 2015 manteve uma coluna no jornal Megaphone Cultural, que circulava em três cidades do interior paulista (Mogi Mirim, Mogi Guaçu e Itapira). Em agosto de 2020 lançou seu primeiro livro, Caparaó (Editora Giostri).

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