Por Paulo Vasconcelos/ Colaboração de Emerson Lopes *

Este final de ano é para a Literatura Nordestina motivo de soltar rojões. Verdade seja dita: o Nordeste tem dessas coisas boas. O Prêmio São Paulo de Literatura foi entregue na noite de ontem para três nordestinos: Estevão Azevedo ganhou na categoria Melhor Livro de Romance do Ano com Tempo de espalhar pedras (Cosac Naify). Micheliny Verunschk venceu com Nossa Teresa – Vida e morte de uma santa suicida (Patuá), na categoria Melhor Livro de Romance do Ano – Autor Estreante com mais de 40 anos. E Débora Ferraz foi escolhida na categoria Melhor Livro de Romance do Ano – Autor Estreante com menos de 40 anos com Enquanto Deus não está olhando” (Record).

É nesta toada que a migração do povo nordestino não é só de fome de trabalho, o eterno estereótipo. Suas andanças também são buscas pelo dizer, pelo escrever e também pelo falar aos microfones potentes de um Sudeste, cujo comportamento de ilhota o torna mais fraco do que parece ser.

Não de solo seco, mas de um chão que mexe com o imaginário e o enlouquece em metáforas, em uma escritura que não tem medo de ser um simbólico assustador, ou inimaginável. Como diria Jose Lins do Rego, temperaram sua escuta com flancos das águas e da terra nos assovios da língua do povo.

Conheço Micheliny Verunsckh e seu talento, como uma pastora que alicia ventos, santos, suicidas e loucos – de juízo. Pernambucana, do Recife, mas que viveu em Arcoverde e adoçou-se de seus açúcares. Conheço sua poesia e assim escrevi sobre ela recentemente:

A autora em Nossa Teresa tem um viço de boa escrivã na sua tessitura lexical e fraseado. É uma mulher que fere as palavras para resgatá-las de tal modo que nos fisga com seu texto. Ela conversa com o leitor, via um velho narrador, agarrando-nos pela goela, em suas histórias e causos dos santos – no caso, a mulher Teresa. Ele mostra, ou nos dá a entender que ser santo é ser gente, é ser humano. Receber a coroa de santidade é outra coisa. O velho contador de histórias é o causador da transmutação de alegorias. Sua guia, a autora, com sua prosa temperada pelo ‘bom vinagre, fogo e gelo’, como o personagem diz, nos entrega o real e o imaginário da existência, e nisso, constrói uma literatura forte, que ultrapassa o viés regional.”

Em Nossa Teresa, os flagrantes poéticos são intermitentes …”( Palavras de Brasileiros, abril/2015)

Vindo de Natal, RN, Estevão Azevedo, em sua obra premiada Tempo de espalhar pedras, esculpe com palavras o homem na sua aldeia, mítica; mas que soçobra ao contemporâneo, nas agruras da ânsia e gula, e nisto se atropela nas dentaduras viscerais dos homens que estão por toda parte.

Seus personagens têm densidade para adentrar num roteiro de vida e fazer brilhar sua discursividade intensa. A pedra, o minério, é desculpa bem engendrada enquanto cenário para dar forma aos personagens garimpeiros e seu contexto familiar, dentro do mundo dominado pela ânsia de viver, ter e revelar os interiores das faltas, da miséria humana que colocam em risco os laços de amigos e familiares; ironia de uma Vale de Pedras, não doce.

Já Débora Ferraz, pernambucana de Serra Talhada , com sua obra Enquanto Deus não está olhando, faz um traçado de um psiquismo exuberante. O romance traz o drama da vida de Erika em busca do pai, apenas. Será? O alcoolismo dele desqualifica-o, e qualifica-a. Ela, que pede ajuda a um amigo para a busca do pai, que foge de um hospital. Ou de si e de suas relações?

O percurso do romance é fino, sútil. Os elementos frasais são simples, mas fortes, como a busca de si, feita por Erika. Deus não olha, pois ele é a vida. E a vida não olha, ela derrama encontros e desencontros e Debora assina isto.

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Paulo Vasconcelos é paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados; Emerson Lopes é jornalista

 

 

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