* Por Corinne Klomp *

– Dessa vez não vou fazer vista grossa, pode deixar!

– Levantou com o pé esquerdo?

– Passei a noite em claro.

– O que aconteceu?

– Abri os olhos, para todo o sempre.

– Seria melhor você abrir « mão » disso.

– Quer dizer engolir sapo? Sabe com quem está falando?

– Sossega o facho! Você está sofrendo por causa do…

– Não menciona o nome dele! Nunca mais!

– Tá bom, vou ficar calado que nem um rato.

– Calado, não. Preciso de conselhos.

– Se conselho fosse bom, ninguém dava de graça.

– Chega de ironia. Quero a sua compaixão.

– E meu ombro para você chorar?

– Sem pestanejar.

– Você está com a maior dor de cotovelo…

– Dor?! Isso não se chama dor, se chama raiva!

– Por favor não faz tempestade em copo d’água!

– De jeito nenhum! Farei tempestade em copo de sangue.

– Que ideia estapafúrdia!

– Vou mandar o safadão para a terra dos pés juntos, juro!

– É o fim da picada! Você se tornou louca de pedra.

– Só quero livrar o universo desse bosta, com aquele olhar de peixe morto.

– Isso seria chutar o pau da barraca. Se você matar o…

– Não menciona essa aberração da natureza, que vou pirar na batatinha!

– Não o mencionei, nem o mencionarei. Eu não sou de pisar na bola.

– Parabéns!

– Se você reduzir a cinzas essa… aberração de peixe morto, você vai ficar pra titia.

– Antes só do que mal acompanhada.

– Só faltava isso: fazer o jogo da contente!

– E por que não? A solteirice não é uma praga.

– A solteirice no xadrez é uma praga perpétua.

– Mas a morte desse João-ninguém me vingará de tudo.

– A esperança é a última que morre, né?

– Exatamente!

– Besteira! Já é hora de você dar a volta por cima.

– Seria tapar o sol com a peneira.

– Seria grande avanço! Pois a vingança sempre destrói o vingador… ou a vingadora.

– Já estou bem destruída, não tenho mais nada a perder.

– Tem! Por exemplo: a liberdade.

– Nunca fui viciada nela.

– Você está viajando na maionese!

– Estou super lúcida. Veja o meu estado afetivo, mental, visual, veja só!

– O visual é ótimo, você não é uma mulher de se jogar fora.

– Não adianta jogar confete.

– Escuta por favor…

– Não! Você não entendeu patavina. Estou falando com uma porta!

– Uma porta que ficará sempre aberta para você.

– Por outro lado, nem bom de bico você é.

– Mas eu sou seu melhor amigo, sem um pingo de dúvida.

– Amigo ou amigo da onça?

– Está tirando sarro de mim?

– Claro que não.

– Fiz tudo o que estava ao meu alcance para te ajudar. Eu sou pau pra toda obra!

– Toda obra, mesmo a pior. É você que me apresentou esse zero à esquerda.

– Foi amor à primeira vista!

– E ódio à segunda! A vaca foi pro brejo. Tomei o bonde errado, passei por poucas e boas, obrigada!

– OK, estou de saco cheio. Nunca serei o seu bode expiatório, viu?

– Aonde vai?

– Bem longe! Decidi abandonar o barco.

– Se você fizer isso, vou arrancar os cabelos, chorar as pitangas, entornar o caneco….

– Mas eu descobrirei a luz no fim do túnel, saboreando um copo de champanhe.

– Depois vou perder o sono, tomar comprimidos para recuperá-lo…

– No dia de São Nunca, obviamente.

– Não seja um chato de galocha! De qualquer forma, vou pôr minhoca na cabeça…

– Você é muito boa disso, tenho como líquido e certo.

– No final vou perder o chão, chegar ao fundo do poço…

– Nenhuma chance. O fundo do poço já foi roubado pelos políticos.

– E, cereja do bolo, vou entrar numa depressão de abotoar o paletó!

– Enquanto ficarei livre, leve e solto como um pássaro!

– Não me deixa!

– Essa briga já está me cansando.

– Ela vai acabar em pizza, como de costume.

– Mas um dia o parafuso vai espanar.

– Até lá, que tal tomar um café? Ao ar livre…

– Não gosto de café. Já esqueceu?

– Então um verdadeiro drinque, tipo… água que passarinho não bebe. (pausa) O que foi? O gato comeu a língua?

– Eu estava pensando na morte da bezerra.

– Vamos tomar um drinque? Agora mesmo!

– Calma, Bete! Não vai tirar o pai da forca.

– Por favor! Preciso pôr o nariz pra fora.

– Com uma condição: promete não causar um climão nem rodar a baiana, mas andar na linha.

– Pode esperar sentado.

– Foda-se, querida alma gêmea. Tchau!

– Não fecha a cara, eu estava brincando!

– Brincando com fogo! Não tem graça.

– Tem! Depois da tragédia vem a comédia. Ambas formam as duas faces da mesma moeda.

– Para mim, tudo isso é grego.

– É! Os gregos escreveram sobre o assunto.

– A leitura não é muito a minha praia.

– Tanto faz, vou me comportar com classe e ficar doce como mel.

– Com um sorriso colgate?

– Pode ser.

– Vai ficar digna de tirar o chapéu?

– Você não vai passar vexame, te dou minha palavra.

– A sorte está lançada.

– Pois é. Quem não arrisca não petisca.

– Vamos no bar da esquina?

– Está fechado para férias. Já dei com o nariz na porta.

– Outra ideia?

– Não sei não. Ao deus dará…

– Pronto, vamos para onde Judas perdeu as botas.

– Você precisa desenferrujar as pernas?

– Na verdade, eu não quero estar em apuros.

– E por que estaria?

– Acho melhor não correr o risco de encontrar o Zé Mané no bairro.

– Que pena! Eu poderia xingá-lo de tudo quanto é nome.

– Antes de esfaqueá-lo.

– Nem é preciso dizer.

– É por isso, minha anjinha, que vamos viajar o mundo, juntos!

– E matar as saudades! Não vejo a hora.

– Eu também estou com a corda toda.

– Querido ?

– Hmm…?

– Será que você vai me decepcionar?

– Você está com macaquinhos no sótão!

– Não consigo evitar: sempre me desgasto com pensamentos negros.

– Querida ?

– Hmm… ?

– Será que você vai me apagar do mapa?

– Não coloca a carroça na frente dos bois.

– Tem razão. Vamos dar tempo ao tempo.

 

*

Corinne Klomp é autora francesa e mora em Paris, França. Escreve peças de teatro, roteiros (televisão e cinema), e ficções para a rádio francesa France Inter. Faz parte do Conselho de Administração da Sociedade de Compositores e Autores Dramáticos (SACD) do seu país. Tem grande paixão pelo Brasil e pela língua portuguesa. Começou a aprendê-la ao fim do 2014, depois de ter dado sua segunda oficina de roteiros, no Rio de janeiro, no Festival Varilux do Cinema Francês. Desde então escreve crônicas e contos em português

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Na imagem, detalhe de pintura de Francis Bacon

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