*Por Tadeu Jungle*

Faço Poesia Visual desde 1978, iniciado pelo meu amigo e poeta Walter
Silveira. Fui conhecer Augusto de Campos, de tênis muito sujo e com o
meu poema ORA H impresso em 10x15cm, nas mãos. Com sua costumeira
generosidade ele elogiou a dinâmica do poema, com o H se deslocando com
um ponteiro de relógio para o outro lado da palavra. Me animei. E nunca
mais parei.

Agora, mais animado do que nunca, realizo uma exposição de grande porte,
chamada TUDO PODE (perder-se), que consegui montar junto com o curador
Daniel Rangel, no Centro Cultural FIESP. Aberta até o dia 20 de julho.

Uma exposição de Poesia Visual e Videoarte. Mais Poesia. E uma poesia
que dialoga com as artes visuais. Imagine uma exposição de palavras.
Palavras que tomam formas. Palavras que tomam o espaço. Palavras que se
movem no tempo. Ali mostro desde rascunhos e poemas caligráficos em
nanquim sobre papel, até escultura em aço-carbono, peças em alumínio,
mármore, tapeçaria, bordado, passando por fotografias (legendas de
filmes), duas músicas e indo parar em dois pavilhões carnavalescos. Sim,
tudo isso é poesia. Tudo relacionado à palavra.

Uma Festa de Letras. Uma literatura com deZign, assim com Z mesmo.
Diferentona, meio estranha. Meio pop. Meio cult. Meio ilegível. Uma
mostra que bebe na fonte da poesia dos Concretos e agora dá um passo
firme na direção das artes visuais, derrubando barreiras da
literatura. A poesia visual habita a periferia da literatura, e seu
samba ainda é proibido por aqui, mas sua fantasia já se agita, subindo
pelas paredes, dançando em esculturas e fazendo um barulhinho bom.

Amor, humor, muita dor, e alguma política talvez sejam os Nortes
temáticos da mostra.

E sempre experimentando os limites. Arriscando. Alargando os perímetros
da literatura. O conteúdo e a forma imbricados no espaço e no tempo. Do
legível e do ilegível. Tudo pode. Fui educado com uma literatura
acadêmica, que tinha regras. Tinha uma estrutura. Dogmas. Linhas.
Linhas. Linhas. Eu percebi, logo cedo, via a Poesia Concreta, que
literatura podia ser mais. Podia ter forma, podia ter espaço. Hoje eu
acho que a literatura pode ser o que quiser.

O título da exposição reflete isso. TUDO PODE (perder-se).
E ao mesmo tempo esse título é a essência da coisa toda, não? VIDA.

O lugar duchampiano em dizer que o espectador completa a obra de arte ao
observá-la, tem um sentido ampliado no caso da Poesia Visual, muitas
vezes ilegível na primeira sentada. De cara você procura a leitura. De
cara vem um som. De uma letra ou de uma palavra ou de uma frase. Esse
som ecoa na sua cabeça. Impossível o silêncio. A palavra sempre ativa a
leitura. O som! Ao mesmo tempo a busca de um sentido do enunciado, se
mistura com a visualidade dele, misturando assim verbo e imagem num
redemoinho no cérebro. Aí sim, a obra se completa nesse MOVIMENTO. E
mais, muitas vezes a leitura NECESSITA de esforço. Muitas tentativas de
leitura criam sons, demandam energia. Essa fabricação de dúvidas é parte
da obra. E será única para cada espectador. Que talvez tenha um êxtase
ao descobrir a palavra oculta. Ou não. O que importa é esta poesia
aberta possibilidades e que avança através da leitura para futuros
in-certos.

O INVISÍVEL É MAIS IMPORTANTE é o que diz e mostra um dos poemas desta
exposição. Ele é meio que a chave disso tudo. As palavras visíveis e
claras constroem apenas parte da nossa compreensão das coisas. A vida é
cheia de abstrações. Estamos rodeados de significados que não vemos.
Invisíveis e indizíveis. A poética visual caminha por aí. Na intuição
além da razão. E vale lembrar que “o perfeitamente alinhado,
perfeitamente colorido, perfeitamente harmonizado, é perfeitamente
esquecível”, disse David Carson. E quando impera o legível, o correto ou
quando tudo parece certinho demais, o humor vem pra ajudar. Os chistes
oswaldianos não largam de mim. Há rumor de humor. “Aprendi com meu filho
de dez anos / Que a poesia é a descoberta / Das coisas que eu nunca vi.”
(OA).

Hoje, mais do que nunca, uso letras pra me comunicar com o mundo. Sei
que letras tem poder. Num filme, você não consegue NÃO LER uma placa ou
uma marca. Letras são seres com uma vida própria. As letras falam. As
letras mostram. Gritam. Letras podem se transformar para poderem
comunicar alguma coisa. Desde as inúmeras FONTES até tamanhos e
materiais, são agentes de mudança e de comunicação. As palavras já são
imagens e podem vir a ser o que quiserem. Os meus poemas antigos, hoje,
além de poemas, também são projetos de objetos. Projetos de expansão
volumétrica. Ampliação da escala e da ocupação de espaço. Literalmente
poema-objeto. Escultura-poema. Um poema caligráfico de 1986 virou uma
tapeçaria gigante…

Quando criança eu gostava muito de ver as aberturas dos filmes. Aqueles
longos começos com cenas, música e letras. Grandes letras. Os títulos
eram especiais. Muita cor. Muita forma diversa. Muito diferente dos
livros e dos jornais, geralmente duros e em branco e preto. Creio que
ali já estava dada a minha atração pela coisa gráfica. E pela escala.
Pelas forma junto ao conteúdo. Assim como Décio Pignatari, eu tive uma
fase da minha vida dedicada à publicidade.  Foi uma escola de concisão,
de artes gráficas, de timing, e de cinema. Nesta mostra apresento 20
vídeos. Que são outra onda de poesia. Um rock de poemas. Não mais com
palavras, mas com imagens e sons. Vídeos curtos. Cineminhas? Videoarte?
A brevidade é qualidade.

Espero que você consiga visitar a TUDO PODE (perder-se). Mas, vá com
calma pra poder entrar e navegar. Mergulhar no verbivocovisual. É uma
exposição para ser descoberta aos poucos e explorar o potencial
(abstrato e expressivo) de letras, palavras, caligrafias, sinais,
imagens e sons.

*
Tadeu Jungle é um artista multidisciplinar atuando como roteirista e
diretor de cinema, TV e Realidade Virtual e com um sólido trabalho como
poeta visual, videoartista e fotógrafo. É palestrante do TEDxSãoPaulo.

Tem trabalhos nas coleções do Instituto Figueiredo Ferraz, MAM-SP e do
MAC de São Paulo. Sua mais recente ação foi ocupar a empena do MAC
com o poema “Você está aqui”, a maior instalação de poesia visual
impressa do Brasil.

*

Foto: Estela Renner / Divulgação

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