A arte está acima da militância ou de questões ideológicas. Esta lista, que traz livros da literatura homoerótica feita no Brasil esta década, ou seja, de 2010 para cá, dá ênfase à arte literária acima de qualquer engajamento, num momento em que pesquisas dizem que a literatura nacional é formada, quase na maioria, por personagens homens, héteros e de classe média.

Muitos autores escreveram e escrevem sobre literatura homo no Brasil, sendo ou não gay, Aluísio de Azevedo, Raul Pompeia, Lúcio Cardoso, Guimaraes Rosa, Cassandra Rios, Vange Leonel, João Gilberto Noll, Wilson Bueno, Caio Fernando Abreu, Ana Cristina Cesar, Roberto Piva, Bernando Carvalho, João Silvério Trevisan, Silviano Santiago, Alberto Guzik, entre tantos outros. São referências que abriram caminho para a lista logo abaixo, que traz trabalhos potentes e obras significativa para pensar e repensar normas de gênero e literárias, de escritores gays, héteros, trans, bees, bis, ambisséxuos etc, que escreveram livros incríveis com personagens gays e/ou trans, ampliando as possibilidades de leituras sobre homoafetividade e homoerotismo.

Os livros se encaixam no conceito do “homoerótico” e carregam também diversas possibilidades de leitura e entendimento do erótico nas relações homoafetivas: questões complexas sobre masculino e feminino, amor e sexo, amores contemporâneas, além das problemáticas envolvendo violências, prostituição, drogadição e conflitos familiares.

Leitor, queremos lembrar que nenhuma lista é completa. Se você quiser completar esta com obras que se inscrevam na proposta, fique à vontade para descrevê-las no espaço abaixo reservado para comentários. Elas ficarão grafadas aqui, como referência, para todos que quiserem conhecer e se aprofundar nesta seara.

Nossa lista foi criada pelo nosso repórter especial Raimundo Neto; pelos jornalistas Vilmar Ledesma e Nanni Rios, e pela pesquisadora Ana Claudia Batista, todos referências no debate de gênero no país:

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1 – E se eu fosse puta?, Amara Moira (Hoo Editora, 2016) – Amara escreveu textos que transitam entre poemas e crônicas; escritos partindo da vivência da escritora que se auto-intitula “travesti que se descobre escritora ao tentar ser puta e puta ao bancar a escritora.” Um livro escrito com fluidez de gêneros, páginas e coração abertos, numa proposta poética de alcance político.

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2 – O amor dos homens avulsos, Victor Heringer (Companhia das Letras, 2016) – O idílio tempestuoso narrado por um dos personagens, sobre uma paixão iniciada como descoberta e que desemboca em crueldade, e por isso finda, é o que atravessa o romance escritor por Victor Heringer, ou é o que pode atravessar o leitor/a leitora ao longo da leitura. A linguagem poética de Victor potencializa a beleza que é o romance: “É um cardiograma que está em sintonia com o meu e estará, assim espero, com o do leitor.”, como escreveu certa vez Victor.

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3 – Oito de sete, Cristina Judar (Editora Reformatório, 2017) – “Oito de sete” e Cristina Judar são um conjunto místico de linguagem e sonho; ao mesmo tempo em que há aparente fluidez de estilo, se mantém a fluidez dos gêneros das personagens; de dentro para fora, Cristina Judar apresenta os amores de mulheres lésbicas, homens gays, mas também repensa identidades de gêneros e relacionamentos dados como possíveis, e assim, de alguma forma, a construção do próprio romance.

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4 – Como se estivéssemos em palimpsestos de putas, Elvira Vigna (Companhia das Letras, 2017) – A leitura de “Como se estivéssemos…” permite movimentos e reflexões sobre identidades e corpos, rompendo com as normatividades e performances assumidas por homens e mulheres sobre ser homem e mulher, e todas as implicações ligadas a isso. Se a linguagem e o discurso movimentam e preenchem desejos e corpos, a estética pungente da escrita da Elvira penetra profundamente nas humanidades por trás (e dentro) de femininos e masculinos, sexualidades, gêneros e desejos, exigindo do(a) leitor e leitora constantes ajustes e reajustes de suas fantasias sobre masculino, feminino e linguagem.

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 5 – O incêndio, de Alexandre Staut (Folhas de Relva Edições, 2018) – Ao se despedir da biblioteca em que trabalhou a vida toda (e que vai ser incendiada criminosamente por uma prefeitura), um bibliotecário desiludido passeio pelos corredores do lugar, abre páginas de livros que leu na adolescência e relembra a primeira paixão por um colega de escola, entre aulas de literatura e campos de futebol. O conto “Frederico Paciência”, o único homoerótico de Mário de Andrade, é uma dessas leituras, e elas ainda incluem André Gide e James Baldwin. Um livro sobre adolescência gay, tema caro à literatura nacional.

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6 – Sérgio Y vai à América, de Alexandre Vidal Porto (Companhia das Letras, 2012) – Narrado por um psiquiatra, o romance traz Sergio Y., bem-nascido e aparentemente sem grandes dramas – embora se considere infeliz. Frequenta o consultório regularmente, rememora aspectos da sua formação familiar, mas um dia desaparece para sempre, abandonando o tratamento. A esse mistério se acrescenta outro, que tira a aparente serenidade do psiquiatra e o faz incursionar em uma busca que tem tanto de detetivesca quanto de psicanalítica. Com elegância, Vidal Porto constrói um romance que é, a um só tempo, uma investigação sobre os caminhos da sexualidade e uma reflexão sobre aquilo que falamos ou deixamos de falar.

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 7 – Um dia toparei comigo, de Paula Fábrio (Editora Fox, 2015) – Com a bela frase de título emprestada de Mário de Andrade, o ponto de partida deste livro é a partida do Brasil. Sem trabalho fixo e fugindo do luto pela morte recente do pai, a protagonista resolve sair do país e viajar com a namorada pela Europa. Neste road livro, refletimos sobre o amor entre iguais e desiguais, e a reparação que o tempo nos oferece, para seguir adiante.

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8 – Nossos ossos, de Marcelino Freire (Record, 2013) – O dramaturgo Heleno resgata no necrotério o corpo de um michê e deve entregá-lo em Poço do Boi, interior de Pernambuco. Enquanto se prepara para a missão que ele mesmo se impôs, relembra sua própria história, de filho mais mirrado de uma família pobre do sertão pernambucano a autor de sucesso em São Paulo. Na prosa poética de Marcelino Freire, uma fábula macabra sobre a proximidade entre amor e morte.

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 9 – Amora, Natalia Borges Polesso (Não Editora, 2015) – Em “Amora”, as mulheres são lésbicas e essa experiência as atravessa. Ler cada conto é aprofundar brevemente o entendimento de que os rótulos são absurdos e reducionistas, na literatura e na vida. O efeito literário construído nas diversas narrativas, as profundidades das personagens em contos curtos, causam um efeito afetivo e humano, além de potencializar o aspecto representativo de gênero e sexualidade que o livro possui.

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 10 – Pornofantasma, de Santiago Nazarian (Record, 2011) – Livro de contos sobre morte e sexo, e não exatamente com foco na homossexualidade. A novela que dá nome ao volume traz um pai que enxerga em um ator pornô o filho adolescente morto de overdose, e tenta salvá-lo com certo desejo incestuoso.

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11 – Ninguém me ensinou a morrer, Mike Sulivan (Editora Reformatório, 2018) – A religiosidade que oprime e condena homoafetividades presentes e latentes, é isso que permeia o romance de Mike Sulivan. No entanto, o amor que circula no corpo dos homens compete (ou soma-se) a drogas, sexo, abandonos e ruínas de mortes e seus cemitérios. Cada morte em Miguel, personagem do livro, é um deus que serve menos que qualquer corpo e gozo.

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12 – Amores, truques e outras versões, de Alex Andrade (Confraria do Vento, 2014) – Tudo é liquidez no amor narrado por Alex Andrade. Afetos voláteis entre homens, expressos numa rapidez que só cabe no fetichismo das tecnologias contemporâneas. Os homens escritos por Alex buscam satisfazer desejos num click, camuflando amores para, talvez, evitar riscos e entregas.

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 13 – Fantasias eletivas, Carlos Henrique Schroeder (Editora Record, 2014) – O mercado de prostituição em Balneário Camboriú é o ambiente do livro, e não encerra nenhum dos personagens. Copi é uma escritora, poeta, fotógrafa, travesti. Se há um foco, ele está na relação entre Copi e Renê. Copi é o gênero que não delira mais sobre o que é: mulher, talvez resquício de homem. Uma mulher com senso de humor que diverte e entristece, fraturado, aquele tipo de alegria que lamenta sem a desvantagem da autocomiseração.

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14 – Mugido, de Marília Floôr Kosby (Editora Garupa, 2017) – Os poemas do Mugido falam sobre as agruras dos corpos de fêmeas no campo: exploração sexual e reprodutiva, objetificação e violência obstétrica. Foi no Mugido que descobri que o termo “machorra” se refere à fêmea que não é capaz de procriar – e isso diz muito sobre o estigma que paira sobre as mulheres lésbicas, a quem o termo é frequentemente associado. Também foi no Mugido que li as instruções mais detalhadas sobre como fazer uma vaca gozar.

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15 – Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas (Companhia das Letras, 2012, reeditado em 2017) – A Angélica diz que, pra ela, poesia é investigação. O Útero é, portanto, uma investigação sobre ser mulher (mulher lésbica, mulher trans, mulher boa, mulher limpa etc). O Útero ironiza o nosso status típico de objeto e me fez experimentar pela primeira vez a posição de sujeito da minha representação. E isso, definitivamente, dá tesão.

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16 – Do fundo do poço se vê a lua, de Joca Reiners Terron (Companhia das Letras, 2010) – A espinha dorsal do romance é a batalha de Wilson para livrar-se da imagem espelhada do irmão e se transformar numa figura feminina inspirada pelo objeto de sua obsessão, a rainha egípcia Cleópatra, sobretudo como encarnada no cinema por Elizabeth Taylor.

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 17 – Dez centímetros acima do chão, de Flavio Cafiero (Cosac Naify, 2014) – Livro com quatorze contos diversos entre si, com bastante força narrativa. Como temática, seus enredos apresentam na maior parte a perspectiva do abismo; muitos deles trazem personagens imersos no mundo homoerótico.

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18 – Uma questão de jeito, de Roberto Dias Muniz (Editora Patuá, 2016) – O livro é o resultado do Projeto Literatura e Diversidade Sexual em parceria com o Ministério da Cultura, que percorreu 6 (seis) capitais brasileiras, problematizando assuntos como gênero, sexualidade e bullying na escola. O livro, em forma de ficção romanceada, conta a história de Clara e do Professor Luiz, bem como de todo o universo fora e dentro da escola.

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19 – Nega Lu – Uma Dama de Barba Mal Feita, de Paulo Cesar Teixeira (Libretos, 2015) – O que havia por trás da bicha louca Nega Lu (1950-2005), que se autodefinia como preto, pobre e puto, e agitou a cena cultural e boêmia de Porto Alegre entre os anos 70 e 90. A ciranda de amores casuais, os hábitos e costumes e a mudança deles.

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20 – Pai, Pai, de João Silvério Trevisan (Alfaguara, 2017) – “Tudo que meu pai me deu foi um espermatozóide.” Um acerto de contas com a figura paterna opressora em um livro corajoso e dolorido que não se lê impunemente. A mudança dos tempos e costumes, “numa trama enredada por falhas, nós e emendas”, que o narrador (o autor) vai reconstituindo.

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21 – Eu me apaixonei pela pessoa errada, de Raphael Scire (Giostri, 2015) – O “pessoa” do título: é homem, claro. E são vários, na história de Henrique, um quase adulto quase garoto em busca de si e no que acredita ser o amor. Procuras desastradas, as loucuras do narrador à caça do amor em tempos de redes sociais, sempre com humor.

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22 – Nós que adorávamos caubóis, de Carol Bensimon (Companhia das Letras, 2013) Cora e Julia não se falam há alguns anos. A intensa relação do tempo da faculdade acabou de uma maneira estranha, com a partida repentina de Julia para Montreal. Cora, pouco depois, matricula-se em um curso de moda em Paris. Em uma noite de inverno do hemisfério norte, as duas retomam contato e decidem se reencontrar em sua terra natal, o extremo sul do Brasil, para enfim realizarem uma viagem de carro há muito planejada.

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23 – Epilepsia, uma fábula, de Samuel Kavalerski (Folhas de Relva Edições, 2018) Traz a história de um morador de rua epiléptico de sexualidade discordando e não-binária. O romance foi descrito pelo crítico José Castello como “maravilhoso, mágico”.

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24 – Antologia trans, autoria coletiva (Editora Invisíveis Produções, 2017) – 30 poetas trans, travestis e não-binários: o subtítulo clarifica tudo e os que ganham voz aqui, nessa antologia nada usual no mercado editorial. São experiências de vida, ficções sobre amores no estilo “Palavra que salva, escrita que cura”, como MC Linn da Quebrada define na orelha.

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