H á várias maneiras de se ler um romance. Há quem nunca perca de vista que o texto é antes de tudo uma construção. E há quem se esqueça de sua natureza linguística deixando-se enganar por sua ilusão representativa. A frase é de Leonardo Tonus, professor livre docente, da Université Paris-Sorbonne, um dos grandes entusiastas da literatura contemporânea nacional. “Ler é também penetrar no mundo das revêries e posicionar-se (quer seja momentaneamente) no espaço intermediário da vigilância extrema do sujeito ativo e da vigilância mínima daquele que dorme”, diz o professor. Ele complete o time formado por Cida Saldanha (Livraria da Vila), Gustavo Ranieri (revista da Livraria Cultura), Luciana Villas-Boas (agente literária), André Nigri (jornalista e escritor), Viviane Ka (editora da São Paulo Review), Rafaela Romitelli (arquiteta e leitora) e Raimundo Neto (escritor, crítico literário), a quem a São Paulo Review perguntou quais são os livros mais emblemáticos da literatura feita hoje no Brasil. Veja a lista abaixo:
1 – O enigma de Qaf, de Alberto Mussa (Record)
Escrito numa linguagem criativa, o livro traça a solução para um famoso enigma da cultura árabe.
2 – Capão pecado, de Ferréz (editora Planeta)
Livro de estreia de Ferréz, que conta a histórias de um menino pobre que sonha em ser escritor num dos bairros mais violentos de São Paulo.
3 – Welcome to Copacabana & outras histórias, de Edney Silvestre (Record)
Um olhar comovente e sensível da sociedade brasileira em várias historias que se passam num dos bairros mais famosos do Brasil.
4 – Olhos d’água, de Conceição Evaristo (editora Pallas)
A obra é traço ancestral marcante sobre vidas de mulheres e crianças (filhos e filhas) negras. Os narradores dos contos do livro embrenham-se pelas histórias das dores e feridas plurais de mulheres e crianças através de uma linguagem que resiste.
5 – O vôo da guará vermelha, de Maria Valéria Rezende (editor Alfaguara)
Leitura sob efeito sinestético das cores e da dicção poética dos cordelistas.
6 – Amora, de Natália Borges Polesso (Não editora)
A obra sustenta-se numa responsabilidade estética e modos de narrar a realidade de mulheres lésbicas que vivem amores, decepções e fugas marcadas por experiências muito particulares
7 – Desesterro, de Sheyla Smanioto (editora Record)
Apresenta diversos femininos violentados numa narrativa original e própria ao avançar em construções poéticas, de linguagem e nos modos de nomear deslocamentos e seus corpos e dores periféricas
8 – A cabeça do santo, de Socorro Acioli (Companhia das Letras)
Um livro que enraíza o que há de fantástico e universal na dita literatura regionalista.
9 – A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha (Companhia das Letras)
Retrato da sociedade de meados do século XX num Brasil machista.
10 – Cidade livre, de João Almino (editora Record)
Fala sobre a construção de Brasília e dos sonhos que embalaram a criação da mítica capital do Brasil.
11 – Nihonjin, de Oscar Nakasato (editora Benvirá)
Narra a história de Hideo Inabata, japonês orgulhoso de sua nacionalidade, que chega ao Brasil na segunda década do século XX com o objetivo de enriquecer e cumprir a missão sagrada de levar recursos ao Japão, conforme orientação do imperador aos seus súditos.
12 – Cravos, de Julia Wähmann (editora Record)
Delicado romance não linear que fala sobre saudade e traça um paralelo sobre a dança de Pina Bausch e as suas relações afetivas.
13 – Ruína y leveza, de Julia Dantas (Não editora)
Sara é publicitária, separa-se do marido, perde o emprego. Diante desta nova situação, resolve viajar sozinha para o Peru. E é nesta viagem que muitas coisas inusitadas acontecem.
14 – O amor dos homens avulsos, de Victor Heringer (Companhia das Letras)
Década de 70, pré-adolescente deficiente físico super protegido pela mãe passa a dividir a casa com outro pré-adolescente negro, trazido misteriosamente por seu pai. Eles se apaixonam. O garoto negro é assassinado. Esta relação e este fato vai repercutir para sempre na vida de quem ficou.
15 – Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós (Cosas Naify)
Parece um enredo simples: um menino tem de aprender a conviver com sua madrasta enquanto ainda sofre pela morte de sua mãe. Mas só parece. Neste livro, cheio de simbolismos e profundidades abissais, a força da ausência, assim como a água, “se instala mesmo entre as pausas das palavras”.
16 – Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas (Cosac Naify)
Não há qualquer possibilidade de respiro entre os 35 poemas deste livro. Uma vez que se inaugure sua leitura, há algo de pulsante e de uma deliberada catarse convocada pela autora. Em todos os versos, a figura da mulher é construída e desconstruída, indo ao confronto em um mundo no qual a desigualdade de gênero é ainda latente, mas também para romper com o que se estereotipou como sendo sua identidade.
17 – K. – Relato de uma busca, de Bernardo Kucinski (Cosac Naify)
Dilacerante é um bom adjetivo para este livro que logo vem com um aviso do autor: “Caro leitor: tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”. É, sim, mais um livro que tem a ditadura militar como pano de fundo da trama, mas é primoroso como Kucinski tece as teias que ligam um pai desesperado em busca da filha desaparecida, deixando para trás o abismo que os separavam. E é nessa procura, a partir dos vestígios que recolhe, que ele passa a descobrir uma mulher diferente do que imaginava, a qual talvez não possa reencontrar.
18 – Um copo de cólera, de Raduan Nassar (Companhia das Letras)
Segundo livro da curta e primorosa obra de Nassar, um livro fundamental por alguns motivos: escrito nos últimos anos da ditadura militar – embora não haja menção a isso –, autor introjeta o ódio nas falas das personagens, quase como refletindo o clima tenso que a sociedade atravessava.
19 – Pássaro de vidro, de Carlos Machado (editora Hedra)
Machado é um poeta burilador, sua lírica estica as cordas da linguagem, despojando-a e gerando uma tensão para que o poema surja, e ele surge singela e poderosamente iluminado, como na melhor lição drummondiana.
20 – Porventura, de Antonio Cícero (editora Record)
O amadurecimento de Cícero é notável nessa reunião de poemas que dialogam com os clássicos, na forma e no conteúdo, sem perder o frescor e a pungência que balizam sua poesia.
21 – Diário da queda, de Michel Laub (Companhia das Letras)
O romance mais maduro e bem realizado de um escritor atento aos trancos históricos sobre o indivíduo. Concisão, elegância e profundidade.
22 – O filho eterno, de Cristovão Tezza (editora Record)
Tudo conspira para pieguismo e as lágrimas fáceis em um livro sobre um pai diante de um filho nascido com uma deficiência, mas em Tezza, a implacável narrativa foge de quaisquer sentimentalismos e autocompaixão, para revelar um mergulho belamente construído pela narrativa no universo do amor.
23 – Machado, de Silviano Santiago (Companhia das Letras)
Um livro anfíbio sobre os últimos anos da vida de Machado de Assis, uma mistura de alta erudição, achados históricos e culturais, notáveis associações em uma prosa desafiadora.
24 – Musa praguejadora, de Ana Miranda (editora Record)
Uma das escritoras mais instigantes da literatura nacional, profunda pesquisadora, lançou a moda da ficção histórica com seu romance premiado Boca do Inferno. Neste livro, Ana reconstrói a vida do poeta Gregório de Matos e ao mesmo tempo, a formação do Brasil.
25 – Pornopopeia, de Reinaldo Moraes (editora Objetiva)
Muito além da auto-ficção, o escritor coloca seu alterego a serviço de uma odisseia maluca e envolvente com muito sexo, drogas e humor.
26 – A poeira da glória, de Martim Vasquez da Cunha (editora Record)
Uma interpretação muito particular da literatura brasileira atual em 630 páginas.
27 – Fico besta quando me entendem, de Hilda Hilst (Biblioteca Azul/Globo Livros)
Um livro bem editado de entrevistas com a bruxa/escritora de mistérios Hilda Hilst. Organizador: Cristiano Diniz
28 – Máquina de pinball, de Clara Averbuck (Conrad editora/7 letras)
Muito antes dos youtubers existirem, a autora se mostrou um retrato da literatura de blogs e internet. Esse pequeno livro de escrita visceral, foi marco na vida de muitas garotas nascidas no começo dos anos 90.
29 – Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino (Companhia das Letras)
Porque é uma história de amor perdido, e constrói imagens muito bem, não à toa se tornou filme.
30 – Até o dia em que o cão morreu, de Daniel Galera (Livros do Mal/ Companhia das Letras) Costura muito bem diversos símbolos em torno do que é encontrar sua casa, ou voltar à sua casa.
31 – Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato (Companhia das Letras)
Sucesso de público e crítica, os contos deste livro traçam a vida na metrópole.
32 – Cidade de Deus, de Paulo Lins (editora Planeta)
Livro virou clássico da literatura de subúrbio nacional. O cinema eternizou o livro.
33 – Os Malaquias, de Andréa del Fuego (editora Língua Geral)
Ganha o leitor pelo lirismo, e pela coragem de usar o realismo mágico de modo muito particular.
34 – Um amor anarquista, de Miguel Sanches Neto (editora Record)
Livro traz a história da formação do Brasil moderno, numa trama para lá de bem construída.
35 – Olhar Paris, organização de Leonardo Tonus (editora Nós)
Bela edição ilustrada com maestria por Eloar Guazzelli. Traz contos de 21 autores nacionais como Alexandre Vidal Porto, Alexandre Staut, Susana Fuentes, Luciano Hidalgo, Rodrigo Ciríaco, entre outros bastante atuantes no cenário da literatura brasileira atual.
36 – O azul do filho morto, de Marcelo Mirisola (editora 34)
O autor faz uso de uma prosa violenta, composta de cortes abruptos, frases secas e humor ácido. Mirisola é eruditamente safado.
37 – Harmada, de João Gilberto Noll (editora Record)
Morto nos últimos dias, o autor apresenta um personagem que transita em espaços diversos de uma cidade – um rio, o mar, um matagal, um teatro, um hotel, um asilo de moradores de rua. Nesses lugares, enquanto se relaciona com pessoas de variados tipos, Pedro Harmada experimenta um vasto leque de sensações.
38 – Poesia reunida, de Adélia Prado (editora Record)
Livro essencial de uma das poetas mais irresistíveis do País.
39 – O santo sujo, de Humberto Werneck (Cosaac Naify)
Biografia de Jayme Ovalle, um dos grandes poetas do Brasil. Ótima pesquisa, escrita deliciosa.
40 – O que deu para fazer em matéria de história de amor, de Elvira Vigna (Companhia das Letras)
Romance do desafio. Do desafio do próprio ato de ler.
41 – Sacola de feira, de Glauco Matosso (NVersos)
Um dos poetas mais marcantes do Brasil atual. Obra consistente, bem humorada. Caso de uma vida dedicada à literatura.
42 – O menino arteiro, de Gil Velso e Guto Lacaz (editora Dedo de Prosa)
Biografia de Lacaz quando menino, escrita de forma bem-humorada por Gil Veloso.
43 – Histórias de índio, de Daniel Munduruku (Companhia das Letrinhas)
Um conto sobre a cultura munduruku, crônicas e depoimentos sobre as experiências vividas pelo autor no chamado “mundo dos brancos”, além de informações gerais sobre a diversidade étnica do Brasil indígena.
44 – Minha mãe se matou sem dizer adeus, de Evandro Affonso Ferreira (Reord)
À beira da morte, narrador fala de sua existência melancólica.
45 – O voo da madrugada, Sergio Sant’anna (Companhia das Letras)
Traz 16 contos marcados pela experimentação formal e indagação filosófica.
46 – Cinzas do Norte, de Milton Hatoum (Companhia das Letras)
Autor escreve sobre sua geração, tendo Manaus como cenário para os acontecimentos.
47 – Divórcio, de Ricardo Lisias (Alfaguara)
Dores de amores que deram em boa literature. Exemplo de auto-ficção bem-sucedida.
48 – Caderno de um ausente, de João Carrascoza (Cosac Naify) Meninos não choram? Somente os que ainda não leram Carrascoza. O escritor das afetividades. Com ele, meninos e professores universitários choram. E muito.
49 – Resistência, de Julian Fuks (Companhia das Letras)
Romance dos traumas que perpassam as gerações. Da leitura fica o grito surdo e emudecido das tragédias humanas.
50 – Angélica, de Lygia Bojunga (editor Casa Lygia Bojunga)
Livro infantil que faz questionamentos importantes sobre o mundo dos adultos e suas paranoias.