Ruth, corre contra o tempo

A velha trêmula e desdentada pula da cadeira 

– Juvenal, fale comigo, Juvenal! 

– Ainda estou vivo. 

– Ah… que ótimo…

– Assim que eu morrer você não verá um tostão meu, sua maldita. 

– Cruz credo homem, tantos anos juntos e você ainda pensa que eu me casei contigo pelos teus aluguéis?

Sem ar

Nos olhos do rosto aquilino, olheiras de um bistre ligeiro, pesavam as horas da noite. Ao dormir, Judith, sonhada por Claudina, sonhou com uma melodia de Bártok. Quando chegara à terceira, das sete portas misteriosas, foi perdendo os sentidos ao dar-se conta de que seus dentes caiam pobres e mal-cheirosos no chão. Ao levar suas mãos à boca, num misto de pavor e incoerência, não dá falta deles. Mas de pronto um novo choque. Judith (ou seria Claudina?) percebe que as joias da recamara estavam manchadas de sangue desconfiando já quase sem forças que não chegaria a despertar, mesmo que Vieira de Castro afrouxasse suas mãos e a deixasse respirar.

Lá não existem flores

Por anos foi assim. O estabelecimento era fechado todos os dias, religiosamente, as seis da tarde, para dar tempo de chegar em casa, beijar a patroa, dormir, acordar as quatro da manhã, tomar um café bebido e se despencar para Irajá pegar o carregamento das flores do dia, chegar na loja, descarregar tudo, sentir o odor, arrumar as mercadorias, guardar o encalhe, preparar as encomendas e fechar a loja novamente, às 18:00hs para dar tempo de fazer tudo, novamente, no dia seguinte. De casamentos, batizados, festas de debutante, formaturas, casas de madame, oferenda de umbanda, já tinha perdido as contas de tudo que nunca vira, mas o que inquietava era além da falta de filhos, era a ideia fixa:  A partir de agora, quem iria levar flores a seu túmulo, já que as luzes das estrelas se apagaram. 

*

Francisco Rogido é mestre em História e carpinteiro. Tradutor para a Biblioteca do Congresso em Washington (EUA) e escultor premiado na Espanha. Pesquisador na área da publicidade e escritor. Os contos acima estão em Náufragos do escolho, seu livro de estreia pela Editora 7Letras, a ser lançado em 7 de maio na Livraria da Travessa de Botafogo.

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