A maldição de Loukanos

grecee

Por Felipe Franco Munhoz *

Para Lucas Adam

Acredita-se que Penélope e Odisseu tiveram, além de Telêmaco, mais um filho. A questão é pouco abordada; e – o maior argumento contra sua possível existência – não há menções a Loukanos nos cantos homéricos. Joseph Jacobs L., pesquisador inglês, atribuiu a Sófocles um fragmento encontrado em 2008. Segundo Jacobs, tal fragmento poderia ser uma descrição do recém-nascido Loukanos.

PENÉLOPE

Vem de Zeus, vem com ira, esta grotesca

saliência: o proeminente umbigo?

Com exceção da “grotesca saliência”, uma provável hérnia umbilical, não se tem conhecimento sobre outras características físicas de Loukanos. Sabe-se apenas que era belo, habilidoso com as palavras – e que nenhuma jovem escapava de seus encantos. Na ilha de Ítaca, onde era filho do rei, estima-se que Loukanos deflorou cerca de trezentas pretendentes e fornicou trezentas prostitutas.

Sem vínculos, sem amor – sexo.

Loukanos copulava almejando prazer. No entanto, foi amadurecendo, tornando-se homem independente, e decidiu formar sua própria família. Percebeu que muitas das jovens com quem se deitara, a grande maioria, “exibiam, ostentavam filhotes.” Talvez Loukanos fosse – apesar de um garanhão sedutor – demasiado ciumento. Ou, de fato, invejoso, como defende Nikolas Konstantin.

O autor de Versos perdidos: enigmas gregos, afirma que “invejoso da felicidade alheia – é incerto se de uma específica ou de várias ex-amantes –, [Loukanos] tentou engravidar, sem sucesso, dezenas de mulheres; ia se revelando, coito a coito, enfim, o infortúnio. O castigo. Sim, um castigo olímpico: os deuses encolerizados, Loukanos condenado – sua vontade jamais satisfeita.”

LOUKANOS

Jamais, jamais a prole! Não! Estéril!

Entretanto, o herdeiro de Odisseu continuava tentando. Quanto mais tentava, mais falhava e mais crescia a sua vã ambição. Qualquer prazer, na cópula, deixara de existir. Até que o infortúnio revelou-se por completo. Um oráculo anônimo sussurra-lhe, em sonho, “Observa a precoce procriação / nas terras aradas por ti, nas terras / preparadas por tuas ferramentas.”

Apavorado, obedeceu: observou; e percebeu que não somente muitas das jovens com quem se deitara haviam procriado, mas todas elas. Inclusive as prostitutas. Nunca um filho de Loukanos, sempre do parceiro seguinte. Essa é a maldição de Loukanos. Por que os deuses encolerizados? Os trechos – parcos e esparsos – que sobreviveram ao tempo não contém a resposta.

E Loukanos, com Ítaca aos seus pés, atirou-se de um penhasco.

 São Paulo, abril de 2014

*

Felipe Franco Munhoz nasceu em São Paulo, em 1990. É graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná. Em 2010, recebeu uma Bolsa Funarte de Criação Literária para escrever – em tempo integral – o romance Mentiras, inspirado na obra de Philip Roth. Em dezembro de 2013, o conto “No ringue de Hemingway” foi publicado pela Travessa dos Editores. É crítico de literatura da APCA.

 

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