* Por Pedro Maciel *

Estrela Sagittarius

Quem pode afirmar que não vou renascer com a morte da Estrela Sagittarius? Estrelas morrem diariamente para que nós possamos renascer à luz da Lua. Será que a minha estrela-guia ainda está vagando pelos entretempos do outro lado do Universo? A estrela é uma bola de gases, grande o suficiente para produzir fusão termonuclear em seu núcleo e brilhar com luz própria irradiada. Muitas estrelas que avistamos nos céus já se extinguiram há milênios. Elas continuam brilhando, mas o que vemos são apenas reflexos de como elas eram. Estrelas caem num piscar de olhos.

É possível visualizar estrelas que morrem num raio de 100 a 200 anos-luz de distância da Terra. Estrelas renascem todo dia do outro lado do tempo.

Estrelas se agrupam em galáxias; há todo tipo de estrelas, estrela binária, Estrela Matutina, estrela múltipla, estrela nuclear, Estrela Polar, estrela fugaz, Estrela Vésper, estrela-azul, estrela de rabo, estrela de demônio e milhares de estrelas invisíveis. Somos feitos dos mesmos elementos que deram origem às estrelas e aos demais corpos celestes. Às vezes me pergunto quanto tempo tem a estrela que me guia.

O tempo e não a estrela-guia revela a cada um o seu destino? Quando a vida acabar seguirei o rastro da Estrela Sagittarius para chegar do outro lado do Universo. Nunca sonhei em morrer, mas preciso planejar como amanhecer no meio da noite. Os dias ajuntaram-se para desvendar a minha eterna noite. No meio da noite, quando a minha estrela-guia brilhar, vou atravessar o Universo para chegar do outro lado do tempo?

Agora não é hora de morrer ou de estudar filosofia ou de por o pé na estrada. Não tenho mais tempo para os falsos deuses nem para os heróis inventados pelos antepassados. Só me resta vislumbrar as estrelas invisíveis que brilham para além do céu.

Pode-se ler no rastro de uma estrela toda a história de uma vida.

Estrela Cadente

Um dia, meus mapas celestes vão nortear os caminhos dos peregrinos, refugiados e cegos. Tudo que pode ser imaginado existe? Um dia, as estrelas invisíveis que cacei durante toda a vida vão clarear com seus olhos de luz a escuridão dos meus mortos. Meus antepassados esvoaçam em torno da luz que gerou a minha estrela-guia.

Um dia meus antepassados vão chegar ao tempo prometido pelas estrelas que renasceram do outro lado do Universo. Tudo na vida é ilusão, exceto a morte. Um dia, imagino ser quem nunca serei. Quem eu me vejo no espelho? Há dias que nada mais faz sentido para mim ou para os meus personagens. Estou me descrevendo nos meus personagens? Meus personagens afirmam que Deus é apenas uma miragem dos loucos e cegos.

Quando Deus existia o mundo era mais teatral. Nunca me escondi atrás dos meus personagens. Nunca me deixei representar por ninguém. Deve ser por isso que a tempos sou ninguém e todo mundo.

Ontem de manhã, fui a uma repartição pública provar que eu não havia morrido. Perdi o dia inteiro falando da minha vida, mas, mesmo assim, nem todos os funcionários se convenceram da minha existência.

Há tempos presencio a minha ausência. A vida é finita, mas a morte é infinita? Meus livros podem ser lidos como um manual de sobrevivência. Será que toda a vida é apenas um enredo de outras vidas?

Não perdi a memória, mas não quero proustinizar a minha vida. Invento a história dos outros para não contar a minha história. Já alertei os meus personagens que não pretendo reconstituir a trágica histórica dos meus antepassados. A aparição de uma única estrela invisível clareia mais o meu destino do que a aparição de todos os meus antepassados.

Quando nasci, ninguém reparou na morte das estrelas. O que eu fiz da minha vida? Quando, onde, ou em que lugar no tempo, morre os recém nascidos e os além velhos? Não sou novo nem velho, mas, há dias em que tenho a sensação de que o meu tempo já é.

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Pedro Maciel é autor dos romances Previsões de um cego (Ed. LeYa, 2001), A hora dos náufragos, (Ed. Bertrand Brasil, 2006), entre outros. Os trechos acima fazem parte do seu novo livro, A noite de um iluminado (Ed. Iluminuras, prelo)

 

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