Por Alexandre Staut *

Um sonho numa noite de 2009 foi a deixa para o jornalista e escritor Gustavo de Castro buscar vestígios e fragmentos da história da poeta Orides Fontela [1940-1998] uma das mais importantes da segunda metade do século XX, no Brasil , além de poemas inéditos perdidos. Com a sua rebeldia e revolta características, ela o convocava a buscar o material nunca publicado, guardado em pastas, anotado em contracapa de livros e cadernos.

Castro pegou o seu bloco de anotações e rumou a São João da Boa Vista, onde Orides nasceu. Percorreu cantos da capital paulista em que ela morou, o sanatório em Campos do Jordão, onde morreu, e esteve com amigos e professores dos tempos em que ela estudou filosofia na USP, na década de 70.

Entrevistou ainda dezenas de pessoas que conviveram com a autora, entre Gerda Schoeder, a grande amiga; Davi Arrigucci Jr., o ‘Davizinho’, colega de infância da escola primária, que a apresentou ao mundo literário da capital; Olgária Matos; Luis Fernando Imediato, que publicou seu último livro em vida, Teia, Donizete Galvão, Antonio Candido, entre outros.

O resultado é publicado agora pela editora Hedra no romance-reportagem O enigma Orides, que sai acompanhado do volume Poesia completa – Orides Fontela, com 22 poemas inéditos resgatados pelo jornalista e escritor.

“Meu desejo era o de compartilhar a história de uma poeta filósofa e mística; equilibrada e caótica; zen-budista e, nos últimos tempos, umbandista”, diz ele, que teve o projeto selecionado pelo “Rumos Itaú Cultural 2013-2014”.

Na entrevista a seguir, castro conta um pouco do projeto e de suas descobertas em torno da poeta.

Quando conheceu a poesia da Orides? Quais poemas lhe chamaram a atenção? Conheci mediante uma reportagem da revista Veja, em 1998. Depois passei a ler os seus poemas, numa velha xerox, cedida por um professor amigo.

Todos os poemas do livro Transposição. É um livro incrível, fascinante, escrito por uma moça de 23 anos, certamente já madura para a poesia, e que fascinou logo de imediato Davi Arrigucci Jr. e, depois, Antonio Candido. Este livro é uma pequena joia que merece ser revista.

O que mais lhe chamou atenção nos tempos em que fez entrevistas sobre a poeta? A vida dedicada à poesia. Uma vida entregue à poesia. A poesia como religião e modo de vida. Também me chamou a atenção a personalidade caótica de Orides e de como ela consegui unir isso, ou como ela estava atenta ao mínimo vital, ao breve, no fundo uma estética da brevidade eclodia unida à inteligência e à lucidez.

E quando decidiu que o seu livro seria um romance-reportagem e não uma biografia? O romance-reportagem é um gênero que estou experimentando como maneira de produção pessoal. Tenho uma vida dedicada ao estudo do jornalismo literário, com livros e ensaios neste sentido. O romance-reportagem é uma aposta mais radical, foi o que fiz neste experimento. Uma biografia pretende dar conta de todos os aspectos da vida do biografado, eu não pretendi isso, queria apenas um retrato, uma fotografia, alguns lances que pudessem iluminar a história desta grande poeta.

No livro há personagens inventados, como o padeiro e o mestre zen, ou todos são reais e atravessaram a vida da poeta? O mestre zen não foi inventado, ele realmente existe e mora atualmente em Paris. O padeiro, sim, apesar de saber que existiu um padeiro (pelos relatos de Gerda e Silvio Luis), um padeiro que ajudava Orides, que estava sempre disposto a ouvi-la e a emprestar dinheiro caso ele necessitasse. Infelizmente não consegui localizar esta padeiro (a padaria não existia mais) apesar de muito procurar. Então reuni na figura do padeiro um eixo de mobilidade narrativa, que me permitia certa liberdade para acessar Orides.

Como foi se deparar com os poemas inéditos que apareceram no seu sonho? Encontrei os poemas dentro da caixa de papéis pessoais da poeta que estavam com o seu amigo e ex-advogado Silvio Rodrigues. Acho que nem o Silvio sabia que havia ali poemas inéditos. Depois fui encontrando outros, quando tive acesso aos livros pessoais da poeta, na casa de Gerda Schoeder, eles estavam escritos em minúsculos papeizinhos colocados dentro de alguns livros ou então estavam escritos na última página dos livros que Orides lia. Juntá-los foi uma emoção realmente única.

Poderia contar algo que não sabemos sobre a vida de Orides Fontela? Creio que tudo o que tinha pra dizer coloquei no livro, mas o pouco valor que ela dava aos jornalistas e ao próprio jornalismo era algo que a impacientava. Era como se o jornalismo escolhesse os seus preferidos e investisse neles, apenas neles, esse gosto estética disfarçado era algo que a inquietava e irritava. Outra coisa que não fica evidente no livro, mas que é importante destacar é que ela foi, provavelmente, a primeira mulher iniciada no zen-busdismo no Brasil, e isso não é pouco.

 

 

 

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