* Por Alexandre Staut *

Ano passado lancei um romance narrado por um gay de meia idade reprimido que vive escondido entre as prateleiras de uma biblioteca – O incêndio. Talvez nem tanto por coincidência, mas pelo andar da carruagem política do país, meu colega e amigo Alexandre Vidal Porto também lançou um livro que tem como tônica a repressão homossexual.

O romance Cloro traz como protagonista Constantino, defunto-autor que rememora fatos decisivos de sua vida aos cinquenta anos de idade. Advogado bem estabelecido em São Paulo, aprendeu na infância que “ser bicha não era bom”. Assim, desde cedo, incorporou um personagem heterossexual. Casou-se com Débora, sua namorada de adolescência, e foi pai de dois filhos. Um acontecimento trágico rompe o frágil equilíbrio em que se mantinha, e ele é confrontado com sua sexualidade. Passa então a levar uma vida dupla. Falei com Alexandre sobre o livro, sexualidade e sobre esses tempos sombrios para nós, gays. Leia abaixo.

Você já disse que para escrever Cloro revisitou experiências próprias ligadas à repressão da homossexualidade. Poderia falar sobre elas? O narrador de Cloro é um homossexual no armário, casado com uma mulher, que decidiu levar um estilo de vida heterossexual. Sou homossexual e me reprimi durante grande parte da minha vida, até aceitar e vivenciar minha sexualidade plenamente. Durante anos, experimentei a mesma autorrepressão que o narrador do livro.

Foi um processo árduo? Poderia dizer em quais pontos? Foi um livro difícil de escrever porque eu acabei tendo de revisitar experiências e sensações tristes ligadas à repressão que todo homossexual, em maior ou menor grau, vivencia. Em geral, essas não são lembranças agradáveis. Além disso, trabalhei com três editores diferentes ao longo do processo de edição do livro. Isso teve vantagens, mas exigiu um nível superior de esforço.  Então, o livro me obrigou a um grau de honestidade emocional e de esforço editorial que meus livros anteriores não haviam pedido.

Como o livro está sendo recebido num momento em que a homossexualidade é um dos assuntos do dia de um governo retrógrado e homofóbico como o do Bolsonaro? O livro está sendo bem recebido. Parece que está vendendo bem, porque tenho notado que, em muitas livrarias, está em local de destaque. Acho que, nos tempos que correm, meu livro tenta dizer: “não adianta querer suprimir: nós existimos, estamos aqui, mesmo quando você não nos identifica”.

As pessoas estão mais intolerantes? Na maioria das vezes, a intolerância é filha da ignorância. Acho que, atualmente, existe uma espécie de “elogio à ignorância”, que fomenta, sim, a intolerância.

E as conquistas todas na área das minorias sexuais? Acredita que correm risco? Os direitos das minorias sexuais e religiosas têm inimigos no Congresso e no establishment político. Isso é inegável.  Mas têm defensores poderosos e muito aguerridos também. No Brasil, já existe convicção jurídica – e cultural-  sobre a iniquidade que a discriminação representa. O que não quer dizer que as coisas não possam se degradar.  Cabe aos atacados, se defenderem, sobretudo. O preço da liberdade é a eterna vigilância.

Como você acha que está a representatividade da literatura dita “homossexual” na literatura contemporânea? Tem muitos autores escrevendo sobre o universo “homossexual” atualmente. Mas acho que isso é apenas reflexo da maior visibilidade que o indivíduo homossexual tem conquistado em todas as áreas e não apenas como personagem literário. Para mim,  o que falta é o que eu chamaria de banalização da homossexualidade. As histórias que envolvem LGBTs e seu universo emocional devem ser lidas como quaisquer outras, sem rotulação.

O político Jean Wyllys, gay assumido, resolveu sair do país, devido a ameaças ligadas à  sexualidade. Você tem algum medo? Eu não tenho medo, mas estou atento. Passamos por um momento importante, porque existe interesse na redução de direitos fundamentais de minorias. Não se pode admitir qualquer retrocesso. Toda ameaça tem de ser combatida vocalmente pela comunidade LGBT e seus aliados, sem medo. Não se pode deixar nada sem resposta.

 

 

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