* Por Antonio R. Guizzo *

Aos inventores das artes graciosas que a vida embelezam”, este é pequeno trecho da Eneida de Virgílio escrito na medalha com que são agraciados os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura, além de 9 milhões de coroas suecas (US$ 1,1 milhão). Mas quem são os inventores dessas artes grandiosas? Ou melhor, o que distingue este seleto grupo laureado com o prêmio mais prestigiado da história de nós, simples mortais?

A resposta é simples: a infâmia. E quem nos oferece esta provocante revelação é o escritor mineiro Jacques Fux em seu último romance Nobel, lançado neste mês pela editora José Olympio.

Jacques Fux, vencedor do prêmio São Paulo de Literatura em 2013 com o romance Antiterapias (sua obra de estreia) e também autor de Brochadas (2015) e Meshugá (2016), publica este mês o quarto romance de um projeto que explora a tênue fronteira entre a vida e a ficção – vertente literária atualmente denominada de autoficção.

Em Nobel, o “próprio” Jacques Fux é o protagonista do romance. Fux é o vencedor do aclamado Prêmio Nobel de Literatura que, em seu discurso de agradecimento, resolve desvendar o que os laureados e imortalizados escritores têm em comum: não a genialidade, não a grandiosidade, não a superior compreensão dos dilemas de seu tempo e de sua história; mas sim, a insolência, a arrogância, a vaidade, a covardia e a vileza, entre outras “qualidades”.

Revisitando (e também refletindo sobre) características composicionais que lhe garantiram o Prêmio São Paulo de Literatura, Jacques Fux retoma neste romance o intenso jogo intertextual no qual se entrecruzam citações, alusões e memórias das grandes obras do cânone ocidental. Se, em Antiterapias, Fux pondera que “Talvez criar e referenciar os clássicos seja mais belo do que narrar somente a minha própria existência”; em seu novo romance, Nobel, em uma prosa sofisticada, ao estilo do humor irônico e autorreferencial característico de autores judeus como Woody Allen, Jerry Seinfeld e Philip Roth, Jacques se autoproclama vencedor do Prêmio Nobel. Motivo da premiação: “ter performado, falsificado e duplicado a narrativa dos escritores canônicos, transformando-a em sua perturbada obra”. E são estas as “antiqualidades” de sua obra que vão ressurgir no discurso de agradecimento por meio do qual o laureado Fux desmascara a dissimulada modéstia, surpresa e gratidão dos autores aclamados anteriormente e conclui que todo escritor é “um amálgama de Narciso e Dorian Gray”, um ser pedante, insolente, arrogante e vaidoso.

Jacques Fux, assim, retoma com grande intensidade o posto já anteriormente assumido de ventríloquo e transformador da memória e da obra dos grandes escritores, e em seu característico jogo entre ficção e realidade, apresenta episódios indecorosos, obscenos e sorrateiros de autores como Kafka, Saramago, Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, Elias Canetti entre outros.

Seriam verdadeiros todos os atos e palavras atribuídos a estes escritores pelo autolaureado Jacques Fux? Não sabemos. O leitor de Fux não deve esperar a veracidade, mas sim, um criativo e excitante universo de possibilidades, repleto de curiosos e intrigantes nexos causais que vão obriga-lo a vasculhar a vida e a obra dos autores citados em busca da chave biográfica que poderá desvendar o que é real e o que é ficção entre os indecorosos episódios escritos nas páginas de Nobel.

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Nobel, de jacques Fux (Editora José Olympio, 128 págs.)

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Antonio R. Guizzo é doutor em Letras, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Literatura Comparada (PPGLC) da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA)

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Na foto, o músico Bob Dylan, laureado com o Nobel em 2016

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