U m dos filmes mais aclamados dos últimos tempos, O Labirinto do Fauno transborda das telas do cinema e migra para a literatura, em um romance que expande o universo sombrio e fantástico da obra-prima de Guillermo Del Toro. O escritor e roteirista mexicano se uniu a Cornelia Funke para narrar a história de Ofélia, uma menina que, diante da brutalidade de seu cotidiano na Espanha fascista de Franco, se vê em um mundo mágico que extrapola os limites entre sonho e realidade, conto de fadas e horror. O livro também explora o passado de diversos personagens, como o inesquecível Homem Pálido, e conta com ilustrações deslumbrantes.

Del Toro é roteirista e diretor do fascinante O Labirinto do Fauno e de A Forma da Água, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Diretor. Também é coautor da série de livros Trilogia da escuridão e, pela Intrínseca, publicou Caçadores de trolls e A forma da água. Cornella Funke é escritora e ilustradora alemã que se tornou best-seller no mundo inteiro com seus contos de fadas modernos. É autora de O senhor dos ladrões e da trilogia Mundo de Tinta.

Leia abaixo trecho do livro:

VI

No labirinto

Ofélia acordou ao som de asas tremulantes. Um farfalhar seco, como o de um besouro: irritado, breve, seguido do barulho de algo se movendo no escuro. As velas e a lareira apagadas. Estava muito frio.

— Mãe! — sussurrou Ofélia. — Acorda! Tem alguma coisa no quarto.

Mas sua mãe não acordou. As gotinhas do dr. Ferreiro haviam lhe proporcionado um sono profundo e tranquilo. Então Ofélia se sentou na cama, tremendo de frio, embora usasse o suéter de lã como pijama, e ficou escutando…

Ali!

Estava bem em cima dela! Ofélia empurrou os cobertores para acender a luz, mas voltou para debaixo deles quando sentiu algo roçar suas pernas.

Então ela viu.

A fada-inseto estava sentada ao pé da cama, a antena comprida tremelicando, as longas pernas dianteiras se mexendo sem parar, a boca gorjeando em uma língua que, Ofélia tinha certeza, saíra diretamente das histórias que lia nos livros. A menina prendeu a respiração quando a criatura saiu galopando pelo cobertor que protegia suas pernas paralisadas. A fada então atravessou o vasto campo de lã e finalmente parou a trinta centímetros de Ofélia, que notou, um pouco surpresa, que seu medo tinha desaparecido. Sim, sumira! Ela se encheu de alegria, como se um velho amigo a tivesse encontrado naquele quarto escuro e frio.

— Oi! — sussurrou ela. — Você me seguiu?

A antena se contraiu, e os estalos estranhos emitidos pela visitante fizeram Ofélia se lembrar do barulho da máquina de costura do pai e da agulha que batia suavemente no botão que ele pregava no vestido de sua boneca.

— Você é a Fada, não é?

A visitante parecia não ter certeza.

— Espere aí! — Ofélia pegou um dos livros de contos de fadas que estavam na mesinha de cabeceira e o folheou, em busca da página que mostrava o desenho em preto da silhueta que ela observava com tanta frequência. — Achei! — Ela virou o livro para a visitante. — Está vendo? Isso é uma fada.

Bem. Se a garota achava… A visitante de Ofélia resolveu entrar na brincadeira. Ergueu-se nas patas traseiras e, ficando de costas para a menina, escondeu a antena e deixou o corpo seco e alongado bem parecido com o da mulherzinha da ilustração. Ao se transformar, ela deu uma forma ligeiramente nova às suas asas. Fez com que parecessem folhas. Então levantou as mãos agora humanas e, coçando as orelhas pontudas com os dedos que haviam crescido, comparou mais uma vez sua silhueta com a da imagem. Sim. A metamorfose tinha sido um sucesso. Na verdade, esse corpo se tornou seu novo favorito, embora ela tenha mudado muitas vezes de forma durante sua vida imortal. Mudar fazia parte de sua natureza. Era parte de sua magia e a brincadeira de que mais gostava.

Mas estava na hora de cumprir a tarefa que lhe fora designada. Ela voou em direção à cama com suas novas asas e dirigiu-se à garota com veemência. Venha comigo!, gesticulou, indicando-lhe a urgência que a missão dada por seu mestre exigia. Ele não era muito paciente.

— Quer que eu siga você? — perguntou Ofélia. — Lá para fora? Onde?

Perguntas demais. Humanos faziam muitas perguntas às fadas, que geralmente não conseguiam responder nem metade. A Fada voou para a porta. As asas folhosas estavam funcionando muito bem, mas ela ainda não confiava naquele corpo novo. Os membros dos insetos costumavam ser mais leves e velozes. Não importava. Seu mestre estava à espera. 

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