* Da redação *

O jornalista Rodrigo Casarin está lançando seu primeiro livro, A biblioteca no fim do túnel. O volume reúne 55 crônicas sobre o universo literário, percorrendo uma extensa e variada biblioteca onde a literatura está próxima do cotidiano e da sociedade,
entrelaçada às pequenas e grandes inquietações humanas e à imprescindível busca por prazer. Dividido em três partes, o livro
conta com textos inéditos do autor nas aberturas de cada seção e tem orelha assinada pela crítica literária Maria Esther Maciel.

Rodrigo Casarin, nascido em 1987, é jornalista especializado em literatura. Desde 2015 edita a Página Cinco, coluna de livros no UOL que lhe rendeu o Prêmio IPL de 2019 na categoria Mídia. Hoje, o projeto se desdobra em um podcast de entrevistas e em uma newsletter. Foi jurado do Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa e do Prêmio Jabuti, do qual também integrou o Conselho Curador em 2022. Vive em São Paulo.

Leia trecho do livro:

Qual é o melhor livro que você já leu?

Não me aflijo mais. Quando ouço essa pergunta, escolho uma história para contar.

Entre o final da escola e meados da faculdade, passei alguns anos caçando um exemplar de Entre os vândalos. Vivia em arquibancadas e o livro-reportagem com um quê de jornalismo gonzo escrito por Bill Buford sempre aparecia como bibliografia obrigatória para quem se interessasse por torcidas. O livro sobre hooligans estava em tudo o que é lista, mas não o encontrava em nenhuma livraria ou sebo da cidade.

Namorei a obra durante tanto tempo que já sabia até o que esperar daquela imersão de Buford no universo cheio de cerveja e briga dos valentões ingleses. Só que de porta em porta não conseguiria nada mesmo. Fui descobrir o meu exemplar de Entre os vândalos quando conheci a Estante Virtual. Lembro até hoje: o livro que ainda tenho bem guardado em casa, como relíquia de valor exclusivamente pessoal, veio de uma loja de Bauru. Uma edição de 1992 da Companhia das Letras com tradução de Júlio Fischer.

Faço um drama aqui, estendo a narrativa em algum ponto e daí finalizo: pela busca, pelo modo como o livro se encaixou naquele momento da minha vida e pela qualidade do texto, Entre os vândalos é um dos meus favoritos. A resposta costuma causar surpresa, o que contribui para não notarem (ou não demonstrarem ter notado) o contorcionismo feito para escapar da pergunta.

O clássico sobre o hooliganismo é sim um dos livros da minha vida, mas está longe de ser um dos melhores já lidos. Só para ficar na não ficção narrativa, Gay Talese, Joan Didion e Ryszard Kapuscinski são mestres que desbancam Buford. Em todo caso, costuma ser mais interessante falarmos sobre experiências íntimas do que entrarmos num debate frio e supostamente objetivo sobre quais filigranas fazem um grande livro ser maior do que outro grande livro. Dependendo do momento, adoto estratégia semelhante, mas tomo outro caminho.

A primeira conversa com a garota linda que viria a ser minha namorada, e hoje é a minha esposa, foi durante um churrasco. Meu estado era deplorável: descalço, pés encardidos, cartas na mão, língua inchada de tanto beber e tentativa de me comunicar via balbucios. Dois dias depois, numa tremenda coincidência, nos reencontramos no metrô. Ia para o trabalho enquanto ela pegava o caminho da faculdade de Letras. Ficou surpresa ao notar que aquele ser grotesco de uma noite anterior estava lendo Dom Quixote. Não bastasse ser, aí sim, um dos melhores livros que já li, o clássico de Cervantes virou símbolo de um momento decisivo da minha vida. Impossível deixá-lo de fora dos meus livros favoritos.

Dificilmente alguém consideraria absurdo se apontasse a saga do cavaleiro da triste figura como melhor livro já lido. Poderia, inclusive, encontrar muitos elementos para defender a escolha. Mas, honestamente, não sei dizer de forma precisa e definitiva se Dom Quixote é melhor do que Dom Casmurro, Cem anos de solidão ou Crime e castigo, isso para ficarmos apenas em alguns romances.

E não vejo isso como problema. Em que pese o valor e a importância dos prêmios, a literatura tem muito mais a ver com identificação e afeto do que com competição e ranking. Não tem por que criar rinhas entre monumentos que podem ser admirados por virtudes bem diferentes. Penso que muitos livros se tornam gigantescos primeiro porque há leitores que se apaixonam por eles, depois porque esses leitores começam a consolidar as virtudes e a construir argumentos para considerar o trabalho genial. Se a hipótese estiver correta, o deslumbramento precede a racionalização.

Daí que faz mais sentido falar em livros favoritos (algo assumidamente subjetivo, em constante movimento e, sim, plural) do que em melhor, o que pressuporia um rigor e uma metodologia que não necessariamente andam juntos com a fruição da arte.

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A biblioteca no fim do túnel, de Rodrigo Casarin (Arquipélago Editorial, 208 págs.)

 

 

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