* Por Ana Rüsche *
Gosta de ler? Gosta de conhecer uma cidade a pé? Aqui vão dois roteiros com meus destinos prediletos: livrarias cheias de personalidade para se conhecer em Nova York. Aproveitando a topografia plana, em ruas agradáveis, você poderá passar por marcos culturais da cidade. Sim, você já viu alguns destes prédios em filmes!
Escolhi duas áreas de Manhattan que concentram muitas livrarias. Mas a cidade possui ainda muitas outras maravilhosas, como Greenlight e Powerhouse Arena no Brooklyn, assim como a Astoria Bookshop e a hispanofalante Librería Barco de Papel no Queens. A ideia aqui foi elaborar um recorte para quem adora gastar sola de calçado por aí.
Se você quiser, é possível fazer os dois roteiros propostos no mesmo dia. Apenas calcule para o passeio uma tarde inteira, iniciando após às 11h quando as lojas estão abertas. Ao final, talvez as pernas (e o bolso) reclamem um pouco, mas a alma certamente estará muito bem.
Para todos os gostos
Roteiro por East Village, Lower East Side e Lolita (Estimativa sem calcular as paradas: 30 minutos a pé)
Começamos pela Strand Bookstore (828 Broadway). Um clássico robusto, nascido em 1927, com estantes altas com os mais diversos assuntos, entre títulos raros e novos. Na área externa, muitos livros usados e/ou em promoção na calçada. Meca de turistas e com uma vasta área de lembrancinhas perigosas. Está autorizado se perder por um tempo lá dentro. No acervo da Strand, há 2,5 milhões de títulos que vão de bruxaria e ocultismo até finanças. Seu slogan é “18 miles of books”, quase 30 km de livros.
Se conseguir sair da Strand, siga em direção a Astor Place e entre na 8th Street, que neste trecho se chamará St. Marks Place. Esta rua de 400 anos mescla uma infinidade de pedaços históricos de Nova York, dos primeiros assentamentos a imigrantes alemães e ucranianos, das brigas de gangues a comícios de sindicatos, das resistências à Lei Seca à composições de jazzistas e poetas, da estética punk a lojinhas de produtos indianos, da alimentação vegan a chás chineses cor-de-rosa com bolinhas de tapioca, dos estúdios de tatuagem a bar afegão se para fumar narguilê. Enfim, nas palavras de Ada Calhoun, uma rua para andarilhos, indecisos, solitários, promíscuos.
O convite é para caminhar, observar a moda e estilo das pessoas e entrar na St. Mark’s Comics (11 St Marks Pl.). A loja de quadrinhos apresenta um acervo que vai dos antigos clássicos até novidades, sendo genial para adultos e crianças. Também vende bonecos em miniatura e zines. Caminhando pela rua, não deixe de espiar as escadarias e fachada do brechó Search and Destroy (25 St Marks), acima do bar de sushi Kenka (com fama de tratar mal quem está na gigantesca fila na calçada durante a noite).
Vamos pegar a Primeira Avenida em direção a nosso próximo destino, a livraria Bluestockings Radical Books (172 Allen St.). Aprecie a alteração de paisagem. Sairemos do East Village em direção ao Lower East Side. Na porta da livraria, muitas bicicletas estacionadas. Este lugar foi idealizado como um “espaço seguro”, um local em que as pessoas das mais diferentes origens e gêneros se sintam confortáveis e acolhidas. Com um acervo invejável de mais de 6 mil livros sobre gênero, masculidades, raça, política, educação, meio ambiente e poesia, sem contar inúmeras revistas, zines e gravuras, vende coletor menstrual e botons feministas. Mantida a partir de trabalho voluntário, mantém uma programação intensa com debates, lançamentos e discussões.
Agora que você acha que caminhou o suficiente, o convite final desafia qualquer desânimo: iremos conhecer a McNally Jackson (52 Prince St.). Com um café conhecido de poetas e escritores e uma programação excelente, a McNally Jackson possui até um setor para quem quer se autopublicar e imprimir o próprio livro. Se você não tem ainda um bloquinho de notas, aqui é o lugar certo para se encantar com os muitos formatos e estilos. A livraria é muito completa e movimentada. Não descuida do público que lê em espanhol, tendo um acervo e eventos específicos para amantes da língua. O metrô na Prince St. é logo ao lado, com várias linhas.
Variação: você pode começar o trajeto pela Barnes & Nobles (33 E 17th Street), livraria imponente que se situa na Union Square. Com o estilo megastore, trata de assuntos diversos. Possui uma respeitável sessão de guias de turismo, best sellers e títulos sobre escrita criativa.
Mapa: https://goo.gl/maps/2EjYG5mDJin
Marcos das lutas pelos direitos LBGTT e rastros da poesia beat
Roteiro pelo West Village (Estimativa sem calcular as paradas: 20 minutos a pé)
Começamos na Christopher Street Station, entre Greenwich e Hudson, no coração de uma região que se chama West Village ou mesmo Greenwich Village. Em alguns metros, você poderá avistar a fachada do Stonewall Inn (53 Christopher Street), marco na histórica luta pelos direitos LBGTT nos Estados Unidos, palco dos “motins de Stonewall” em 1969, reconhecido como monumento nacional e protegido pela Comissão de Preservação de Marcos da Cidade de Nova York. Ao contrário da grade que conforma Manhattan, estas ruas antigas sobreviveram às linhas retas do resto da ilha.
Assim, a Christopher Street irá cruzar com a minúscula Gay Street, uma rua calma rara na cidade das sirenes, cujo nome é anterior às lutas por direitos civis, numa profecia sobre o que viria pela frente. A rua, contudo, segue fervilhante: em abril deste ano, durante a Páscoa, amarram uma pesada cruz de madeira na rua. A cruz foi fixada com um cadeado, parecia ser uma provocação ou protesto. Para evitar qualquer mal entendido, a vizinhança se uniu e pintaram a cruz com as cores do arco-íris. Tomei parte nesta ação junto com a Tarsila Mercer, quando passávamos pela rua [Someone Chained A Cross To Gay Street In NY —what Happened Next Was Beautiful, Huffpost].
Após caminhar pela Gay Street, vire Waverly Place, logo pela 6a Avenida até a Carmine Street. Você verá o toldo verde inconfundível da Unoppressive Non-Imperialis Bargain Books (34 Carmine St). Como o nome já diz, por lá você encontrará livros a preços acessíveis e que se propõe a construir uma visão de mundo anticapitalista. É possível que o próprio Jim Drougas te atenda, fazendo parte daquele time de pessoas da cidade que está a frente do próprio negócio por anos. No caso de Drougas, são mais de duas décadas de balcão. Bob Dylan, Maya Angelou e William Blake se fazem presentes em pequenos cartões e títulos. A livraria reparte espaço ainda com a Carmine Street Comics, com quadrinhos, zines e revistas. Impossível sair de lá com mãos abanando.
Não deixe de atravessar a 6a Avenida pela Minetta Lane, com seus prédios no estilo art deco, e pelo menos ver a fachada do Café Wha? (115 Macdougal St.), onde Bob Dylan fez sua estreia na cidade, Jimi Hendrix esteve no palco e tanto Allen Ginsberg quanto Jack Kerouac fizeram performances.
Ao final, o passeio acaba no Washigton Square Park. Aproveite para escutar música ao vivo, ler um trecho de livro, fechar os olhos e imaginar: quanta coisa aquele gramado já viu.
Variação: você pode começar o trajeto pela White Horse Tavern (567 Hudson St.) situada em um edifício de 1880. A taverna congregou a comunidade literária nos anos de 1950. Guarda uma triste lenda literária: em novembro de 1953, o poeta Dylan Thomas teria se gabado dizendo que tomou ali 18 doses de uísque. A noitada, junto com outros problemas de saúde, ocasionaram uma internação no hospital e sua morte precoce alguns dias depois aos 39 anos.
Mapa: https://goo.gl/maps/bvvYu7n4jVz
Se você estiver em Nova York ou conhece quem esteja, iremos fazer um “literary walking tour” na segunda-feira, 12 de junho, como parte da programação do festival ALLOVER5 – Festival de comida e literatura brasileiras em Nova York que ocorre de 12 a 18 de junho de 2017, www.allover5.com. Venha comigo! Vou adorar contar mais histórias pessoalmente.
Ana Rüsche é escritora. Atualmente vive entre São Paulo e Nova York. Seu último livro, Furiosa – a nautical charts and its montes traz poemas selecionados e traduzidos ao inglês por Maíra Mendes Galvão. Será lançado em junho durante o festival ALLOVER5 – comida e literatura brasileiras em Nova York
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