* Por Martha Batalha *
Dizem que Nova York e Los Angeles são opostos. Em Nova York ficam os grandes museus e as boas livrarias, os leitores da New Yorker e os escritores do Brooklyn. Em Los Angeles estão os surfistas e as mulheres com dourados de Beverly Hills, casas esparsas e rodovias engarrafadas. Era também assim que eu pensava, quando há três anos me mudei de Nova York para Santa Monica, uma pequena cidade ao lado de Los Angeles. Estava acostumada a frequentar a Strands e a Barnes and Noble da Union Square, e cheguei a pensar que minha nova experiência de livraria seria clicar o botão de Place your order da Amazon.
Não demorou para descobrir que Los Angeles guarda um dos melhores segredos americanos – parece inóspita, mas na verdade é para onde todo mundo foge quando não consegue mais suportar o frio e o ritmo da costa leste. Os novos californianos não bradam sobre a qualidade de vida, fazendo com que LA tenha um ego menor que o de Nova York. O resultado é que não existem 50 pessoas entre nós e o retrato da Frida Kahlo no Museu Lacma, e ninguém anda pela rua com a sensação de estar na primeira fila de um concerto de rock – quantas vezes eu não me senti assim, em uma esquina ordinária de Manhattan?
Los Angeles tem excelentes centros culturais, museus e principalmente livrarias. É uma cidade de escritores, que vão desde os motoristas de Uber tentando emplacar um piloto de TV, aos roteiristas vencedores do Oscar, escrevendo em suas mansões com piscinas suspensas de frente para o sinal de Hollywood. Segue lista das mais charmosas e interessantes.
The Last Bookstore – Não é apenas uma livraria, mas uma declaração de amor à palavra impressa. O bom leitor que lamenta a inevitável decadência do mundo escrito vai se sentir nostálgico ao percorrer os corredores de livros. Cada volume é tratado com reverência e mesmo como obra de arte – existe um túnel de livros no segundo andar, estantes monocromáticas e outras que lembram um labirinto. Parece que Borges vai aparecer a qualquer momento, olhar o volume que lemos por cima dos nossos ombros, e sumir por trás dos livros de mistério. Também tem vasta coleção de discos de vinil e quadrinhos, e a maior livraria de usados da Califórnia (foto acima).
Small World Bookstore – Fica no calçadão de Venice Beach, ao lado de uma farmácia de maconha e de frente para um pianista que toca na rua. As demais lojas do calçadão vendem quinquilharias – camisetas com os dizeres “Orgasm Donor”, cinzeiros de plástico feitos na China, crânios de cerâmica trazidos de Tijuana. É uma livraria autêntica, frequentada pelos moradores da área, com indicações de leitura feitas por vendedores e uma estante de literatura estrangeira surpreendente. Os livros de Bukowski eram os mais furtados, e agora o autor ganhou um espaço estratégico, perto da caixa registradora.
Beverly Hills Public Library e Santa Mônica Public Library – As duas bibliotecas possuem uma livraria de usados, com preços de fazer o leitor viajante encher a male e lamentar o peso na hora do embarque. Três dólares por livros de arte e fotografia. Dois dólares por autores contemporâneos ou clássicos. Cinquenta cents por livros brochura. E, o melhor, aqueles exemplares que a gente acha que nunca vai precisar, até ver o título e descobrir que não pode viver sem. Em que outro lugar seria possível adquirir “The American Tradition in Writing” (Random House, 2.166 páginas), ou “Ourselves Among Others – Cross-cultural Readings for Writers”? Pois é.
Skylight Bookstore – A Skylight não é grande ou esteticamente irresistível. Mas é capaz de despertar a ansiedade intrínseca aos leitores crônicos, quando se dão conta de que nem na cadeia conseguirão ler todos os livros que desejam. O que faz esta loja estar em Loz Feliz há mais de 20 anos é a curadoria. Os livros expostos são cuidadosamente escolhidos por uma equipe de funcionários leitores. “What kind of creatures are we”, de Noam Chomsky, fica em uma pilha ao lado da “História da Loucura”, de Foucault. “On Tirany – Twenty Lessons From the Twentieth Century” parece ser o livro que precisamos, até o leitor folhear o volume das aulas de Cortazar em Berkeley. A livraria tem sua própria lista de mais vendidos, semelhante à do New York Times em apenas um ou dois títulos. Tem também uma estante com os últimos destaques de tradução para o inglês (foto acima).
The Writer´s Store – A melhor desculpa para ir até Burbank, cidade a meia hora (ou hora e meia, depende do trânsito), de LA. É específica para escritores, e vende muito mais do que o batido Moleskine. Há softwares para escrever roteiros de mistério, humor e romance. Livros de gramática, estilo e construção de personagens. Bonezinho escrito Writer. Bonequinho de Shakespeare, Chaplin, Jane Asten, Kurt Vonnegut. Tudo o que o escritor bloqueado precisa para fugir da tela em branco e procrastinar diante de centenas de livros dizendo o que ele tem que fazer.
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Martha Batalha é escritora, autora de A vida invisível de Eurídice Gusmão
Serviço:
http://www.smallworldbooks.com/
http://www.friendsofsmpl.org/bookstore.html (livraria da biblioteca pública de Santa Monica)
https://www.friendsofbhpl.org/ (esta é a de Bervely Hillls)
