
Para onde fores, pai, te levarei nas costas. O mesmo reumatismo, o pescoço inclinado, o passo difícil, o esforço para levantar a cabeça, o corpo opaco, rumoroso.
Guardo umas poucas mágoas, claro, pai. Os cigarros que não deveria ter fumado, a responsabilidade espartana que aprendi com dificuldade e que fez afastar-me de muitos amigos.
Com o tempo, deixei de julgá-lo com o rigor que aprendi com você. E nas doces manhãs de maio me lembro de José Naves com ternura, ao olhar para o céu.
(Rodrigo Naves, 2024)
*
Rodrigo Naves é crítico, historiador da arte e professor. Publicou El Greco (Brasiliense, 1985), Amilcar de Castro (Tangente, 1991), Nelson Felix (Cosac Naify, 1998), Goeldi (Cosac Naify, 1999), A forma difícil (2011) e A calma dos dias (2014), ambos pela Companhia das Letras, entre outros.