* Por Marcelo Maluf *

Estava me lembrando do dia em que Fernando Sabino veio me visitar. Foi num sonho. Eu tinha em casa vários livros da coleção Para gostar de ler. Meu prazer pela leitura de seus textos se deu ali ao lado de outros autores como Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, assim como na leitura dos contos das mil e uma noites. Eu tinha uns doze anos de idade. Depois, aos quinze, quando li O grande mentecapto, fui capturado de tal modo pelas desventuras de Geraldo Viramundo, que passei a madrugada imerso no romance até concluí-lo. Na manhã seguinte, fui advertido pela professora de biologia por estar cochilando em sala de aula. Soubesse eu que ali, no devaneio daquele cochilo, se engendrava o futuro escritor eu não ficaria tão envergonhado e tomado de culpa como fiquei naquele dia. Depois fui ler tudo do Fernando: O Encontro marcado, O menino no espelho, as novelas de A vida real, enfim. Nasceu nesse tempo a paixão que carrego comigo pela obra e pela vida do escritor.

Mas na manhã depois de ter me encontrado em sonho com o escritor que sempre estivera comigo, ao tomar o desjejum, minha esposa me conta que o Fernando havia morrido. Era o dia 11 de outubro de 2004, um dia antes de ele completar 81 anos de idade. Chorei como se tivesse perdido um avô muito querido. Aquele foi o nosso primeiro e último encontro. O tão sonhado e desejado encontro. Eu tinha 30 anos de idade. Conversamos naquela noite, eu e Fernando, sobre literatura, Deus, jazz e bateria. Fernando foi baterista de jazz. E eu baterista de rock. Recebi dele um abraço apertado. Antes de ir embora, ele abriu uma mala e de dentro dela saíram duas crianças que logo começaram a brincar pela sala do meu apartamento. Sua barba por fazer e seu olhar compassivo na despedida, aquele abraço e a nossa conversa estarão sempre comigo. Nunca duvidei daquela visita. Suas palavras me estimulam até hoje: “O que eu busco escrevendo é saber quem sou. Para que eu seja do meu tamanho, como todo mundo deve ser do seu: nem maior, nem menor. Quero dar o melhor de mim, ir ao extremo de mim mesmo. Não pretendo me exceder, mas também não quero ficar devendo. Esse é o meu objetivo na literatura e na vida”.

Fernando também dizia que escrevia para se comunicar com os leitores, a linguagem não era um fim em si, estava a serviço do que queria comunicar; uma ideia ou sentimento. Não queria que os leitores tropeçassem em palavras. Escrevia uma prosa certeira, com clareza, concisão e simplicidade. Atingia um grande número de leitores. “Tudo pode acontecer quando o escritor se senta diante da folha em branco. Só não vale blefar: é jogar para ganhar ou perder”, ele dizia.

Escrevo tudo isso para dizer que a literatura de Fernando Sabino me formou como leitor e escritor. E que não foi por acaso que ele veio me visitar em sonho no dia em que morreu. Como ele mesmo falava: “a verdade se esconde por baixo da realidade, e só se revela através do sonho, da fantasia e da imaginação criadora”. Sigo acreditando nisso.

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 Marcelo Maluf é escritor e professor de criação literária. Mestre em Artes pela Unesp. Escreveu o livro de contos Esquece tudo agora (Terracota, 2012) e o infantil As mil e uma histórias de Manuela (Autêntica, 2013), entre outros. Em 2015, publicou o romance A imensidão íntima dos carneiros (Editora Reformatório), livro finalista do Prêmio da Associação Paulista de críticos de Arte (APCA, 2015), finalista do Prêmio Jabuti (2016) e Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura (2016), na categoria estreante com mais de 40 anos.

 

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