* Por Eucanaã Ferraz *

Anel

Pode ser de papelão,

qualquer matéria barata.

 

A importância do anel

está na coisa que guarda.

 

Lembro daquela canção

quando eu, menino, cantava

 

– “o amor que tu me tinhas

era pouco…” – e rodava…

 

Não importa do que é feito,

plástico tosco, sucata,

 

tesouro guardado há séculos

na arca de um velho pirata.

 

O que faz do anel um anel

é a coisa nele guardada:

 

um desejo de beleza,

uma história, uma data,

 

a recordação da avó,

de uma antiga namorada,

 

um menino, os seus olhos…

… a menina se recorda

 

enquanto gira o anel

e lembra, maravilhada.

***

Chapéu

Em cima da sua cabeça

pode não ser um chapéu,

 

pode ser o céu

em cima da sua cabeça

 

pode não ser um chapéu,

pode ser o sol,

 

pode ser a chuva

em cima da sua cabeça.

 

A chuva molharia o chapéu

se houvesse um chapéu

 

em cima da sua cabeça, mas

não molharia o que se passa

 

dentro da sua cabeça.

Pense nisso: quando você pensa

 

num chapéu, o chapéu

está dentro da sua cabeça.

***

Prego

Sempre prego coisas,

dependuro trecos,

conserto um objeto.

 

Por isso preciso

ter sempre por perto

meu amigo prego.

 

Prezo muito o prego!

Prego muitos pregos!

(Cuidado com o dedo!)

 

Útil e fiel,

está sempre pronto,

está sempre a postos.

 

Muitas vezes, sim,

por trás da beleza,

existe um preguinho

 

aguentando firme,

segurando um quadro,

um porta-retratos…

 

Mas o próprio prego,

veja bem, é belo:

completo, compacto,

 

todo ele esqueleto,

todo ele um só osso

maciço e de aço.

*

Os poemas acima fazem parte do livro Cada coisa, lançado recentemente pelo poeta Eucanaã Ferraz (Companhia das Letrinhas, 120 págs.), com ilustrações dele e de Raul Loureiro

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