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Por André Ricardo Aguiar*

Roberto Menezes tem um peculiar estilo facilmente notado nas reuniões de um grupo literário chamado Clube do Conto. Ouvir uma narração sua é sentir um empuxo para o reino das palavras atrevidas, que fazem um escarcéu para dizer o que pensa sem atalhos, embora com muitas e muitas referências as mais diversas. Para uma aproximação do que quero dizer, parece que na mesa dividimos com ele um papo relaxado com Stephen King e Emicida, ambos bastante bêbados. Junte-se a isso a curiosidade absoluta por tudo o que se move nas obscuridades do ser humano, uma pitada de humor calhorda e temos aí um aparato, um autor sempre em processo de construir um romance atrás do outro.

Aliás, não só construir, mas ganhar concursos. Já ciente dos caminhos em que se possibilita a publicação via prêmio, Roberto vem de publicações em que um romance leva a um caminho cada vez mais seguro – de suas estratégias internas, de seu marketing literário. Com Palavras que devoram lágrimas, agora em versão digital e reformulada, relançada pela coleção Latitudes (organização da escritora Maria Valéria para a editora Mombak), o autor chegou a estabelecer uma marca. Um romance paraibano que é um jorro de vingança, numa paleontologia perversa em que as camadas de uma parede estabelecem marcos na história de um casal, a narradora em estado frenético contra o status quo do ex-marido, um vereador imbuído de todas as características de político demagogo, ciente de que uma de máscara de aparências tanto em pose quanto no seu discurso é ganho, é lucro.

A voz narrativa não poupa este mundo, seu jargão, suas nuanças: “eu prezo o desprezo que os seus inimigos e seus amigos têm por você. É patético o teu setlist de proparoxítonas sufocantes e hilariantes diminutivos que você empanturrou os seus discursos. Ainda assim, não acho que é você quem escreve estes textos. Patéticos são seus conhecimentos de retórica, que talvez só percam pros de gramática.

Esta escavação, como bem disse o crítico Alfredo Monte, é que perpassa por todo o romance através das sete camadas de tinta da parede que a narradora lixa “a verdadeira cara do nosso quarto, não me pergunte o que eu procurava.” Aliás, o autor nunca deixa de dar uma palhinha para as simbologias cromáticas, utilizando inclusive denominações que sugerem outras associações. Uma cor, um ano de casamento, uma camada de ruína após outra.

Entre as inventivas camadas tem a bege “meio porra, meio leite condensado”, verde-anágua, vermelho não especificado, camada amarelinha, camada salmão e a azul-inferno. O bom uso que o autor faz destas cores-símbolos, com toda a ressonância para a diatribe da personagem que promove uma lavação de roupa suja com uma exatidão de relojoeiro faz o romance se sustentar em quase sua totalidade, sem cair em lacunas ou arremedos tediosos com a linguagem.

Palavras que devoram lágrimas é inventivo e vai acrescentando força ao longo de seu percurso. Humor negro, raiva, divagações na corda tensa do arame, tortura psicológica, referências pop e apropriação de clichês com bons resultados. Ainda há muito o que se falar dele em leituras e releituras. Devorar nunca termina.

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Palavras que devoram lágrimas, de Roberto Menezes (editora Mombak, 83 págs.)

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