* Por Tobias Carvalho *

 Talvez o Instagram tenha criado a ilusão de que há poesia por toda parte. Se a oferta de textos na internet é maior, achar os que valem a pena é mais difícil. Ainda assim, quando você se depara com boa poesia, você simplesmente sabe.

Todo abismo é navegável a barquinhos de papel (7Letras, 2020) é o segundo livro de Davi Koteck, que já publicou o volume de contos O que acontece no escuro (Editora Taverna, 2018). Mesmo sendo de gêneros diferentes, os dois livros têm bastante em comum. Ambos falam sobre a angústia de chegar aos vinte e poucos anos sem saber o que vem à frente. O leitor que volta ao segundo livro de Koteck é apresentado a alguns temas recorrentes em sua obra: pais ausentes, louças para lavar e cigarros acendidos um atrás do outro. Aqui, no entanto, a linguagem poética dá outro tratamento estético aos temas. Por mais que Todo abismo… seja um livro melancólico, há certo otimismo desta vez.

Na primeira parte do livro, Koteck tira do caminho o que é mais latente, preparando o terreno para o que vem depois. Existe uma urgência quase descuidada em capturar instantes; quase, porque o autor parece consciente desse descuido. A escrita se justifica pelos anseios do eu lírico: “De uma noite fria / quase fria / só te peço que / meu amor, / tente entender / tente / o que tento dizer.”

Há momentos fortes e sensíveis, principalmente quando Koteck parte para poemas mais narrativos. Em “Apenas ossos”, o leitor conhece a história de uma família sob diversos pontos de vista: “na primeira vez que minha mãe / partiu / ela não acreditava em deus / nem nos programas de auditório / o celular lateja pontualmente / (…) / meus irmãos se assustam porque atendo da cama do chão / na casa de praia / a minha mãe não é a mãe deles.”

São fragmentos de uma história de vida que o autor apenas apresenta, deixando ao leitor a missão de compor o resto do quebra-cabeças: “meu pai era uma câmera digital e minha mãe o álbum de fotografias”. Esses recortes explicam, através da infância, inseguranças e anseios que vêm depois. Um dos principais méritos do livro é criar um universo coeso entregando apenas o que é essencial.

À medida que o livro avança, os poemas dão destaque a temas da vida de jovens adultos de Porto Alegre, como as incertezas da juventude, as relações amorosas e a intimidade doméstica. Enquanto o sujeito do poema descarta um rascunho do Gmail, sua namorada passa café e escuta Lou Reed. Acompanha-se uma relação não apenas retratada no poema, mas permeada pela poesia: “com você posso até / fazer um poema / sobre fazer poemas / sobre o que faço com você.”

Com ecos de Ana Cristina Cesar, Ana Martins Marques, Walt Whitman, tudo misturado em uma linguagem leve e precisa, Todo abismo é navegável a barquinhos de papel é um livro que trata dos sentimentos com verdade. E isso não se encontra em toda parte.

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Tobias Carvalho nasceu em Porto Alegre em 1995. As coisas, seu livro de estreia, foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura em 2018.

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Imagem ilustrativa: “Cena de mar”, de Miguel Bakun

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