* Por Viviane Ka *

Sérgio Miguez sempre foi ligado nos livros. Dono da livraria Belas Artes, em São Paulo, referência dos noctívagos que perambulavam pela avenida Paulista, nos anos 1980, estava sempre disposto a um papo sobre os últimos lançamentos. Sua livraria era um oásis de cultura, antes ou depois do cinema, bar, boate. Ele já sabia que misturar urbanidade, literatura e social, é um boa fórmula para vender livros.

Esse amor o levou a fotografar pessoas lendo em espaços públicos. Principalmente no metrô. O projeto #temmaisgentelendo começou a ter bastante seguidores no Instagram (rede social de compartilhamento de fotos). A brincadeira é tentar adivinhar, pela capa, o nome dos livros fotografados. É no tempo vazio entre as estações que muita gente aproveita para mergulhar nas páginas de um livro. Seja eletrônico ou impresso. Isso prova que o brasileiro gosta de ler. E que muitas vezes essa paixão por livros dá até em casamento. Leia abaixo a entrevista que concedeu à São Paulo Review.

Te conheço desde quando você tinha a livraria Belas Artes, na Paulista, que ficava aberta de madrugada e era referência em lançamentos e clássicos. Você sempre estava disposto a conversar sobre literatura. O que mudou de lá para cá? Legal te reencontrar! Meu sócio era o José Luiz Goldfarb, que também continua no mundo dos livros agitando coisas bacanas. Mudou muita coisa, entraram as megalojas, vieram os e-books… Mas a figura do livreiro bem informado segue importante nas boas livrarias. São esses caras que conseguem dar aos leitores os caminhos e desdobramentos que procuram em suas áreas de interesse, são uma bússola para nos dar o norte no mar de informação, do excesso, da vida atual.

Como surgiu a ideia do # temmaisgentelendo? Há mais ou menos três anos, comecei a usar o metrô diariamente para ir e voltar do meu trabalho na Livraria Cultura, na avenida paulista, em São Paulo, e comecei a notar as pessoas lendo, isso não havia por aqui antes! De repente, me senti no metrô de Paris, onde morei por cerca de um ano e meio. Sentadas ou em pé mesmo, no meio da multidão, até lendo andando, todos os dias lá estão os leitores carregando seus livros. Eu viajo apenas duas estações, não mudo de vagão, e diariamente encontro gente lendo! Passei a fotografar e postar no meu Instagram. A brincadeira é tentar saber qual o título, e muita gente aderiu ao movimento, de outras cidades e estados. Hoje temos mais de 900 fotos publicadas.

Nas suas observações, qual o tipo de livro que as pessoas mais carregam? De todo o tipo, da mais alta literatura até a mais popular auto-ajuda. Um livro leva a outro, o importante é adquirir o hábito, depois ninguém consegue mais parar, ler é o melhor exercício para o cérebro e fundamental no processo civilizatório, a leitura ajuda todo mundo a renovar as esperanças de uma sociedade melhor, mais informada e inteligente.

Você acha que livros aproximam as pessoas? Sem dúvida, quem gosta de ler sempre quer saber o que o outro está lendo e quando acontece uma identificação temática é uma delicia. Algumas fotos nossas demonstram isso. Dá até casamento.

Do que você gosta de ler? Sou mais ficção, romances, mas por motivos profissionais eu leio de tudo um tanto.

Acha que a literatura brasileira está em bom momento? Pequenas editoras tem relevância? Muita relevância, o mais importante para um mercado editorial saudável é a diversidade de títulos, toda a civilização, a ciência e a história humana está nos livros.

Como as redes sociais podem ajudar a vender livros? De muitas formas, unindo e dividindo também, as pessoas e os interesses. Um bom exemplo é este nosso movimento #temmaisgentelendo. Gostamos de saber dos interesses alheios e compartilhar nas redes sociais. É uma excelente forma disso acontecer, de encontrar compatilbilidades, e incompatibilidades também. Se você me contar sobre um livro que amou eu vou comprar pra conferir…

As pessoas não se sentem invadidas quando são fotografadas em sua intimidade, mesmo que seja no espaço público? Essa é uma questão importante. O meu foco está no livro, tento evitar mostrar o rosto para não expor o leitor. Se, eventualmente, reclamam evidentemente não publico e deleto a foto. Mas, atualmente, vivemos num mundo de ‘SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO’, então isso passa meio batido. Além disso, o hábito de ler é universalmente considerado algo nobre, algo chique e inteligente, então, na grande maioria das vezes os leitores gostam de ser reconhecidos como leitores e ficam felizes por estarem contribuindo com a difusão deste hábito tão saudável!

Imagem ou palavra escrita. Na sua opinião, qual das duas tem mais poder de comunicação? As duas unidas. Só existimos por conta da palavra. Lembra do livro do ‘Genesis’? No princípio, era o verbo, Deus disse faça-se a luz. E a luz se fez. Nada melhor do que usar a fotografia para divulgar a palavra escrita e o hábito de ler.

Você acha que as pessoas aproveitam lacunas de tempo para ler no metrô, praças e outros espaços públicos?  Sim! Ler é um excelente aproveitamento dessas lacunas de tempo. Lendo a viagem física passa num segundo, e a viagem virtual, mental, te traz anos luz de insights e conhecimentos que podem perduram por gerações…

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Viviane Ka é escritora, roteirista de cinema e editora da São Paulo Review

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