Da redação *
Qual é o espaço ocupado pelas mulheres no campo literário brasileiro contemporâneo? Quem são as mulheres que produzem a literatura brasileira hoje? E como se configura atualmente a representação do gênero feminino nas diferentes manifestações literárias (poesia, romance, drama)? São questões que merecem destaque por provocarem a reflexão sobre a produção e representação literária feminina como local de disputa pela legitimidade e justiça social.
A pesquisa “Personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004”, coordenada pela professora da UnB Regina Dalcastagné, a partir de 258 romances publicados por autores brasileiros nas três mais prestigiosas editoras do país (Companhia das Letras, Record e Rocco), mostrou que a predominância é de personagens do sexo masculino, representando 62,1% do universo estudado, contra 37,8% das personagens femininas. Além disso, só em 1,6% do total do corpus não há nenhum personagem importante do sexo masculino. Já os personagens femininos não aparecem em 41 romances, ou seja, em 15,6% da totalidade do conjunto de obras analisadas.
No campo da produção, de acordo com a mesma pesquisa, a estatística é a seguinte: 72,7% dos autores são homens. A porcentagem não é muito diferente em comparação com a lista final dos melhores jovens escritores brasileiros da edição especial da revista Granta, publicada em julho de 2012. Dos 20 contos reunidos no volume, 14 (70%) foram escritos por homens e seis (30%), por mulheres.
Esses dados são reveladores sobre a condição feminina na literatura brasileira. É necessário ainda criar mais espaços para essas vozes. Motivado por essas informações e pelas últimas pesquisas do Coletivo PI sobre as questões da construção de gênero e a produção literária e artística de mulheres, em 2014 o Coletivo formatou um projeto de quatro edições do já tradicional Sarau do PI (o sarau do existe desde 2010) para a temática Literatura Feminina Contemporânea. Este projeto foi vencedor do edital Chamamento Público Poiesis 02/2014 – Proposta de Sarau Poético Casa das Rosas, Espaço Haroldo Campos de Poesia e Literatura.
Literatura Feminina Contemporânea
A cada edição do Sarau haverá uma programação com convidados especiais na área da Literatura, Música e Performance além do espaço para que o público possa expor suas criações literárias ou seus autores favoritos. Essa proposta híbrida dialoga com a produção do Coletivo PI, um grupo de Performance e Intervenção Urbana, e também com o próprio contexto da produção artística contemporânea. “A proposição apresentada para o sarau é a criação desses cruzamentos entre a produção literária feminina atual e as práticas artísticas, promovendo um sarau dinâmico, em que palavras escritas se transformam em som, ação, imagem. A ideia da poesia viva, transfigurada pelo corpo do artista e seus instrumentos de trabalho: música, vídeo, performance e a cena. A cada edição entrelaçaremos a temática com as leituras e apresentações, abrindo momentos de participação entre todos os envolvidos”, afirma Pâmella Cruz, diretora do Coletivo PI e idealizadora do projeto.
A primeira edição do Sarau, realizada neste sábado (28) tem como recorte a Poesia e Crônica Feminina. A produção reuniu artistas importantes que possuem um trabalho potente, como a escritora Lilian Aquino, que trará as poesias de seu livro “Pequenos Afazeres Domésticos”. Lilian já publicou poemas nas revistas: Inimigo Rumor, Mininas, Metamorfose, Zunái, Celuzlose e no jornal de poesia O Casulo.
Outra presença confirmada será da escritora Elisa Andrade Buzzo, que mantém uma coluna de crônicas na revista eletrônica Digestivo Cultural. A escritora que já teve um de seus livros como finalista do Prêmio Jabuti 2013, também já participou de diversas antologias no Brasil e no exterior. Elisa integrará o sarau lendo crônicas e poesias de seus livros, entre eles o primeiro “Se Lá no Sol”, lançado em 2005.
Interpretando musicas de compositoras brasileiras com voz e piano, estará a pianista Paula Castiglione. Já a convidada Luanah Cruz fará a performance Me traziam a Lembrança daqui, de…, o quinto experimento da série performática A Experiência da Vida é a Pergunta, no qual a artista se relaciona com o público usando um vestido de mais de 30 metros, que se torna um corpo-feminino-tapete que se transformando ao longo da ação com poesias, desenhos, histórias, carregando o peso e a leveza das memórias.
A programação da primeira edição fecha com a exibição do vídeo Entre Saltos, do Coletivo PI que trata sobre as questões do feminino na sociedade e na arte. Como afirma Chai Rodrigues, diretora do documentário “além do projeto em si do Sarau, o vídeo de Entre Saltos é a contribuição do Coletivo PI na discussão e exposição do pensar sobre o feminino e a produção artística feita por mulheres. Os depoimentos das mulheres e homens que participaram vão além da performance e chegam a um campo subjetivo que nos interessa enquanto artistas e seres humanos: do que e de quem estamos falando quando nos referimos ao gênero feminino?”
Em abril será a vez da literatura erótica ocupar o Sarau. Em maio o sarau abre espaço para a literatura marginal e fechando a programação na Casa das Rosas, em junho, o Coletivo PI vai falar sobre a produção feminina na dramaturgia.
Interessados em apresentar trabalhos podem entrar em contato pelo e-mail coletivopi@coletivo.com. O grupo está aberto a receber novas propostas e ampliar o espaço da produção artística feminina.
Serviço
Sarau do PI – Poesia e Crônica Feminina
Hoje, 28 de março, a partir das 19h, na Casa das Rosas (Avenida Paulista, 37 – próximo a estação Brigadeiro do metrô). A entrada é gratuita