A máscara

Um homem com uma máscara de gás na cara. O rosto disforme. Como se fosse um monstro. Ele faz depois os gestos de um chimpanzé. Põe as mãos curvadas e simula os pequenos saltos e movimentos do chimpanzé. O plano abre-se. Vemos para quem ele está a fazer aquilo. É para uma mulher. Uma mulher muito velha. Moribunda; ligada a várias máquinas e com soro a entrar no braço. Mesmo assim, a velha mulher sorri, primeiro; depois ri, ri muito, não consegue parar de rir. Só a vemos a rir, como se tivesse perdido o controlo.

A dança

Uma mulher e um homem, os dois completamente nus, dançam no meio de uma sala. Vemos os dois corpos muito juntos e escutamos a música, um tango lento, uma música de enamoramento. De qualquer maneira, nunca vemos os rostos, não percebemos qual o estado do espírito dos dois dançarinos. Estão nus e dançam. Ele segura na mão dela, ela deixa-se guiar pelos movimentos dele. Só ela tem um relógio de pulso; de resto, apenas dois corpos nus. A música termina. Vemos as costas do homem, as nádegas do homem, depois a nuca da mulher e depois os dois rostos neutros, aflitos — e subitamente, no momento exacto em que a música termina, escuta-se um enorme ruído: são aplausos, sim, mas o par parece estar com medo; não agradece.

A louca

Um fotógrafo tira fotografias a uma louca. O fotógrafo diz que nem o melhor actor consegue ter a expressividade do rosto de uma louca. E por isso não pára. Mesmo quando a louca diz não com a cabeça, não com a boca e, por fim, não com o dedo.

O rosto da  mulher

Uma mulher vê ao espelho uma parte do seu rosto. O espelho é do tamanho de uma carta de jogar e a mulher com ele só consegue ver pormenores: as sobrancelhas trabalhadas, muito finas, depois os lábios pintados, uma maquilhagem forte, exibicionista, os olhos muito abertos. Com o tamanho daquele espelho a mulher não consegue ver o seu rosto na totalidade, precisa de ajuda para isso. Do outro lado da mesa, vemos agora, está uma menina com um rosto que denuncia uma deficiência mental. A menina terá seis, sete anos e é ela que segura agora no pequeno espelho e o coloca a uma distância suficiente — de maneira a que a bela mulher possa ver o seu rosto por completo.

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Os fragmentos acima integram o livro Short movies, de Gonçalo M. Tavares. O volume é composto de pequenas cenas cotidianas, nas quais o autor exerce sua maior qualidade: a de observador. Como uma câmera, ele captura momentos de beleza e absurdo, retratados com originalidade.

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Gonçalo M. Tavares passou a infância em Aveiro, norte de Portugal, e atualmente é professor na Universidade de Lisboa. Com mais de trinta e cinco livros, publicados em cinquenta países, é um dos autores de maior destaque da literatura portuguesa contemporânea. Sua extensa produção inclui poesia, contos, romances, peças de teatro.

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Short movies [editora Dublinense, 96 págs], de Gonçalo M. Tavares.

Avaliação: _pena-01[bom]

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