Um poema de W. J. Solha

doisss

Hildeberto Barbosa, de W. J. Solha *

A paixão pelo canário Cesário Verde

é psicótica,

como a que também tem pelo azulão  Mallarmé

e pelo galo-de-campina Dante,

que canta numa gaiola

gótica.

E ele cria,

ainda,

um cara – Lousânio Verdésio – que lhe fustiga os versos,

dizendo-lhe  que Tudo,

seu,

é cópia de cópia,

espessa fraude verbal,

pelo que vai ver o Lúcio Lins no hospital

e dá com Vanildo de Brito – outro poeta pelo qual tem muito carinho – no quarto vizinho,

também morrendo de câncer,

pelo que sai dali como que fugindo de um panzer

e bebe no Bar do Baiano.

Bebe no Bar do Baiano,

quase com aflição,

anotando que Alguma coisa mais forte que minha vontade me impulsiona para esse mundo estranho:

desgraça,

desamparo,

desolação,

e escandaliza ao proclamar nos jornais que  odeia a Poesia e ao relacionar – como os que de nada se compadecem – os poetas locais que o enfurecem.

Mas a Vitória Lima lhe diz,

com razão,

que ele deslumbra com títulos como Caligrafia das Léguas,

São teus estes Boleros,

Desolado Lobo

e,

de quebra,

Comarca das Pedras!

Mas ele bebe no Bar do Baiano.

De dia não leio,

diz:

estudo.

À noite – longe do que detesto – há o resto,

ou tudo:

prazer,

silêncio,

a solidão da leitura seletiva,

contínua,

circular,

interconectada e

dispersiva.

E bebe no Bar do Baiano.

Bebe no Bar do Baiano.

Apaixonado colecionador de livros,

de repente se alegra ao completar a tetralogia do cascudólogo Américo de Oliveira Castro,

através de livreiro de Natal,

o que não o impede,

afinal,

de sublinhar em Paul Auster

que artistas sofrem e não se encaixam neste mundo e buscam outro.

É claro,

pois ele sente…

que o seu se parte dentro dele.

E bebe,

bebe no Bar do Baiano.

Porque há um calor insuportável

porque há um trânsito insuportável,

a cidade é insuportável,

a rotina é insuportável,

pelo que se alivia – com aviso prévio – a ouvir Amorério

e se pergunta – triste – se Deus existe,

embora os Concertos Brandenburgueses o façam pensar que alguma coisa há – e não a entende – que nos transcende.

Réplica em corpo e alma do explosivo e genial Gauguin,

adora,

no entanto,

Van Gogh,

em quem vê o que ele mesmo tem,

ou não:

vitalismo,

desespero,

paixão

e a desmedida…,

… um sentimento trágico da vida.

Ah,

e me vingo das tardes de domingo,

desejando que meus inimigos a tenham

a mais não poder,

enquanto eu viver!

E bebe no Bar do Baiano.

Bebe.

Ante o velho tamarindo de Augusto dos Anjos,

sente,

demais,

a intensidade latejante da verde várzea,

o espaço e o tempo em imagens dissonantes,

radicais,

inquieta-se – mudando o discurso – com a ideia de um poema/percurso,

e bebe.

Feito El Greco ante Toledo,

Vê,

na distante terra natal,

só o sol e pedra

calcinados

e nuvens,

que são fantasmas alucinados.

Aí o coral da universidade apresenta Oratório do Rio,

composto por Tom K em cima de seus versos,

e ele bebe no Bar do Baiano.

Mando-lhe um poema,

como Franklin ao empinar pipa com para-raios durante a tempestade,

e me surpreendo com a carta entusiasmada,

tão brilhante,

que deslumbra Affonso Romano de Sant´Anna, Ivo Barroso, Esdras do Nascimento, Ruy Espinheira, Carlos Trigueiro e Sérgio de Castro Pinto.

Mas ele bebe no Bar do Baiano.

bebe no Bar do Baiano.

*

W. J. Solha é escritor, poeta e ator, tendo participado de filmes como “O som ao redor” e “Era uma vez eu, Verônica”, ambos de 2012